quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Capítulo 8
Every Little Thing



Apesar de ter-se deitado muito tarde, a primogênita de Mary Elizabeth madrugou. Lorelai não conseguia dormir tanto quanto gostaria na manhã de natal, não pelo menos enquanto não abrisse os presentes e esse era um fato que se repetia anualmente. No entanto, naquele ano, o motivo de seu despertar precoce era a moça e a garotinha em algazarra ao seu lado. Olhou para as camas ao redor, já vazias e a custo acreditou que, àquela hora, as irmãs já estavam em alvoroço, prontas para descerem as escadas e abrirem os presentes sob a árvore de natal. As duas a apressavam a levantar-se logo, estavam curiosas para descobrir o que estava reservado para elas sob os papéis coloridos e laçarotes que completavam de maneira tão singular, a decoração natalina da sala de estar da residência dos McGuire.

Sem muita empolgação, Lore se espreguiçou, alongando o dorso. Quem a conhecesse mais a fundo acharia que a menina estivesse doente ao notar esse tipo de comportamento na manhã natalina, quando em geral, ela era a primeira a se levantar. A verdade é que a fada prensada já havia, como de hábito, levantado e caminhado sorrateiramente até a sala, sondando os pacotes de presente. Depois de algumas idas e vindas, cansou de esperar ou procurar algo mais signicativo dentre os envelopes e embrulhos destinados a ela. Nem sinal do mensageiro. Logo, o interesse sob o que poderia haver em abrir os presentes, naquele ano, havia perdido o sentido.

As duas malucas ao seu lado praticamente a arrastaram porta afora e escada abaixo. Matthew e Raphael, os irmãos mais novos, já se encontravam a postos nos pés do pinheiro ornamentado, enquanto Liz, sentada num dos sofás, dava um bocejo preguiçoso.

Melinda olhou para os lados como se procurasse alguma coisa. Na verdade, procurando alguém.

- Ué, Liz, cadê o pai?

A mãe de Lorelai, Felicity, Matthew e Raphael apenas apontou com a cabeça em direção à porta de entrada, sinalizando que o esposo já havia saído, apesar da precocidade das horas.

Dashwood franziu o cenho de modo quase imperceptível. Era-lhe estranho se referir a alguém com aquela palavra, que nunca significara para algo real, nunca fora nada além que um enigma – pai. E quando o destino coloca aquele que recebeu esse título por direito em seu caminho, ironicamente, a palavra parece continuar sem significado mais profundo, como se tal pessoa não existisse. Ou fingisse que ela não existia. A cabecinha de borboleta, percebendo o olhar intrigado de Melinda, tratou de tentar "consolá-la", ainda que de maneira precária e deveras infeliz.

- Não liga, Inha, é assim todo ano, inclusive com a gente. - Lore sussurou quase aos ouvidos de Dashwood, olhando de esguelha para sua mãe, para garantir que ela não ouviria o que estava dizendo. Afinal era manhã de natal e apesar do ocorrido se repetir anualmente, não havia necessidade de trazer à tona todo o desconforto que aquele tipo de atitude paterna poderia desencadear em sua mãe.

Os cinco irmãos, parados em torno da árvore, observavam ansiosos a matriarca do clã, esperando somente uma ordem para destroçar os pacotes. Com um sorriso realmente satisfeito nos lábios, Mary Elizabeth proferiu as palavras mágicas.

- Podem atacar!

O ataque em massa dos pacotes inocentes começou. Papel voando para tudo quanto era lado. Lizzie se divertia assistindo a cena, principalmente ao ver Melinda se divertindo tanto quanto seus próprios filhos. A impressão que tivera em Hogwarts quando a conhecera, da moça de olhar altivo, um tanto frio e de um certo cinismo, acabava de se esvair por completo, finalizando um processo que começara desde os primeiros instantes da moça em sua casa. Ela se mostrara tão criança quanto os seus próprios filhos. Maddison nunca participava da farra da manhã de natal, poucas foram as vezes em que ele estivera presente. Entretanto, a alegria daqueles rostos tão amados entremeio a pedaços destruídos de papel e enfeites natalinos compensavam qualquer amargura que poderia guardar dentro de si.

Lorelai mesmo um pouco desanimada (não havia nenhuma cartinha do pombo sob a árvore), rendeu-se à alegria dos irmãos e procurava, como podia, os seus presentes naquela muvuca. Ouviu a vozinha marota de Raphael, o caçulinha de 5 anos, falando com ela.

- Lolly, esse aqui é seu...

O garotinho estendeu um embrulho cheio de tutus cor-de-rosa. O coraçãozinho da menina quase saltou pela boca. Aquele ela não havia prestado atenção enquanto espionava os presentes durante suas investidas de madrugada! A menina pegou o pacote com cuidado, procurando abri-lo com carinho. Uma peça de porcelana, de uma delicadeza infinita, se revelou diante dos olhos maravilhados de Lorelai. Um porta-jóias cor-de-rosa com discretos e singelos detalhes em dourado ocupava o fundo da caixa decorada que a quintanista tinha nas mãos. Pôs-se apressada a procurar o cartão, para ver quem a teria enviado uma coisa tão linda. No entanto, ao localizar o pergaminho que acompanhava o presente, o seu olhar mudou da ansiedade para a curiosidade. Não conhecia aquela letra no envelope.

A fada prensada leu o conteúdo do pequeno cartão mais de uma vez, tentando assimilar a idéia. O presente era de Adhara Ivory, a sonserina amiga de Mina. Lore piscou os olhos algumas vezes, ainda custando a crer no que lia. Não que não tivesse gostado, ao contrário. Havia adorado o presente e mais ainda, descobrir quem a tinha enviado. O detalhe era que Ivory sempre lhe parecera um tanto fria e distante, embora nunca houvesse duvidado de que seria boa pessoa (se é amiga da Mina, só pode ser boa gente). Receber um agrado dela no natal lhe fora como ganhar na loteria. Feliz com a surpresa, colocou com cuidado seu precioso porta-jóias a salvo da ira insana dos irmãos degolando os pacotes para terminar de abrir os seus.

Aos poucos a garota de olhos de caleidoscópio foi descobrindo cada um de seus presentes. Sam lhe enviara uma revista em quadrinhos do Homem-Aranha, e fez questão de deixar bem claro na carta que acompanhava o exemplar que era “o número que a MJ fala para o Peter que ele tirou a sorte grande”. Com um sorriso discreto nos lábios (e vontade de gargalhar bem algo por dento), Lore tratou de enfiar a correspondência, bem rápido, num dos bolsos do pijama, antes que ela chamasse a atenção de alguém. Mina lhe mandara um pingente maravilhoso em forma de borboleta, que imediatamente foi parar em seu pescoço.

- Lolly, tem outro aqui que é seu. - Matthew estendia uma pequena caixa para a irmã - Acho que tio Dawson mandou presente pra você esse ano de novo.

- Mãe, por que tia Denice e tio Dawson só dão presentes pra Lore? - Felicity perguntou um tanto emburrada.

Liz, mais uma vez, teve que repetir a explicação que dava em todas as épocas festivas.

- Porque vocês são muitos e Lorelai é afilhada dela, Felicity, você também não ganha presentes da tia Christine e só você? Ela não é sua dinda?

A menininha coçou a cabeça.

- Ah, é...

Enquanto a irmã mais nova conjecturava sobre presentes de madrinha, a fada prensada arregalou os olhos ao ver o que continha a caixa de presente do tio: um anel delicado, com uma esmeralda enorme cravejada no suporte feito com pequenos brilhantes. Uma minúscula serpente enroscada numa espada feita de ouro branco se destacava nas laterais da jóia. O cartão em anexo apenas dizia "Antecipadamente, para a nossa futura curandeira".

A moreninha suspirou involuntariamente. Antes ajoelhada no chão recolhendo os presentes que ganhara, no instante seguinte estava no sofá beijando a mãe, agradecendo pelos presentes.

Estava feliz, mas lhe faltava algo para completar a sua manhã. Sentia falta do mensageiro, sentia falta de ler sua caligrafia miúda e corrida a lhe dizer coisas simples, mas o suficiente para iluminar o seu dia. Imersa em pensamentos, voltou para o seu quarto subindo os degraus que levavam até o seu recanto. No curto trajeto, não pode deixar de pensar o quanto as pequenas coisas a deixavam feliz. Guardou com carinho seus presentes, colocou as cartas e bilhetinhos no seu diário, tomando o cuidado de arrumar um lugar de destaque para o cartão de Adhara. Quem sabe aquele não seria o prenúncio de mais uma boa amizade em Hogwarts?

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