quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Capítulo 12
Cry For a Shadow



Fazia um bom punhado de dias que a jovem de enigmáticos olhos azuis procurava por um momento como aquele. As duas irmãs haviam se ausentado. Lorelai fora ao centro curandeiro com a mãe para verificar a causa das dores de cabeça que a quintanista vinha se queixando há algum tempo. Felicity foi obrigada a ir também, para aproveitar a deixa e fazer uma revisão oftalmológica.

Melinda Dashwood, curtindo a tarde solitária que tanto almejara desde que conhecera a família paterna, examinava novamente as fotografias espalhadas pelo quarto das irmãs. Seu olhar se demorou mais uma vez na foto onde Satanio Goddriac aparecia exibindo um sorriso extremamente sarcástico nos lábios. Ela tocou a foto de leve, enquanto pensava no que estava fazendo de sua vida. Um turbilhão de emoções contraditórias atormentava a suposta paz da moça. Não sabia o que sentia pelo loiro sonserino. Talvez ela ainda gostasse dele ou talvez fosse seu orgulho fazendo com que ela se sentisse mal por descobrir que Sat havia superado o rompimento deles. E, por ironia do destino, tal fato se deu graças à sua melhor amiga, Yvaine Lancaster. Sentia sim, uma pontada enorme no cotovelo, mas não daria o braço a torcer. Aquilo já era passado, e não havia mais motivo para ser alvo da preocupação dela.

Talvez essas idéias loucas fossem reflexo da solidão que sentia. O que ela chamaria até poucos dias antes, de namorado, estava há léguas de distância, não só física, como também do que ela acreditava que ele fosse. Encontrara-se com ele na véspera de natal, mas definitivamente, não sabia dizer o que sentia pelo rapaz.

Os olhos da setimanista repousaram na imagem feliz das duas irmãs. Como ela odiara Lorelai assim que soube quem era a menina, mesmo que esta desconhecesse a sua existência! Por causa dela, da irmãzinha e da mãe das garotas, ela teve que ficar escondida, calada, suportando o peso de descobrir a família e não poder fazer nada para se aproximar. Recordava-se, como se fosse fato muito recente, do dia que sua mãe fizera a proposta de encontrarem o pai. Mais clara ainda era a lembrança de quando o conheceu, da decepção que sentiu ao vê-lo, tão friamente, proibi-la de se aproximar da irmã na escola, já que a menina era meio revoltadinha e poderia dar problemas para ele em casa. Que a outra filha, a mais nova, era problemática e complexada, e até mais revoltada que a mais velha. Que a esposa era osso duro de roer e certamente desgraçaria a vida dele se despejasse uma notícia daquelas de maneira irresponsável, sem preparar o terreno. Lembrava com rancor, das palavras dele, dizendo-lhe claramente que ela deveria ficar na sombra, sem se expor, enquanto ele resolvia as coisas em casa a seu próprio modo, para finalmente apresentá-la. É fato que os interesses maternos não eram relacionados à aproximação afetiva, disso ela bem sabia, e concordou com tudo desde o início, e por isso estava ali.

Cansada de esperar uma decisão paterna, pressionada pela mãe para que a execução dos seus planos ambiciosos fosse agilizada, "pelo bem dela", como Jessica Dashwood fazia questão de frisar, acabou imprensando o pai, por tabela, o que culminou com o pior desfecho que ele poderia esperar - a descoberta inusitada da sua existência por Liz. Bem-feito, antes ele tivesse tido coragem de assumir o que havia prometido desde o começo. Tanto mais fácil seria para ela infiltrar-se na família, ajudando a mãe a obter o que desejava: estabilidade financeira, um nome paterno para a filha e, quem sabe, o namorado de volta? Foi só nessa ocasião que ela finalmente contou à Yvy que havia conhecido o pai e descoberto as irmãs. Tivera que calar-se durante tanto tempo até mesmo para a melhor amiga!

Mas nunca imaginou que seria tão bem recebida. Nem que aquelas duas garotinhas odiáveis fossem se tornar tão queridas. Em especial a mais nova. Mel ainda demorava o olhar na fotografia das irmãs. Tinha que admitir que sentia uma tremenda inveja de Lorelai. Ela tinha tudo o que ela, Melinda Dashwood, gostaria de ter – uma família legal, irmãos, uma mãe que se preocupava com ela, um rapaz que parecia verdadeiramente apaixonado por ela, amigas loucas - embora não pudesse reclamar de Lancaster - e o pai por perto, embora nesse quesito, elas estavam meio empatadas. Mas ela gostava da irmã. E era completamente apaixonada por Felicity, com quem se identificara desde o começo – tal como ela, a irmãzinha se sentia sozinha na maioria das vezes.

Isso tudo sem falar de Mary Elizabeth, aquela bruxa má que por anos a fio atormentou seu sono. E de repente, ela descobre que a "bruaca" esposa do pai é a pessoa que mais a apóia e que mais demonstrou afeto por ela até então. Sua consciência pesava ao lembrar-se do que prometera à mãe e ao namorado, que os ajudaria a alcançar o que desejavam. E que por isso, naquele momento, ela estava ali.

Melinda sentia o mundo pesar em seus ombros, uma amargura imensa tomava conta do peito e subia até a garganta, trazendo um gosto de fel à boca. Sua "missão" de tentar tirar do pai o que podia para melhorar a situação dela e da mãe se confundiu inusitadamente com o afeto que começou a devotar àquelas pessoas durante a relativamente curta estadia dela naquela residência.

Felizmente, durante o almoço de natal, Denice Dawson não a reconheceu. Conhecera a tia de Lorelai há alguns poucos anos, quando decidiu ceder às investidas de sua mãe e tentar a carreira de modelo.

A jovem sentia vontade de chorar, mas as lágrimas simplesmente se recusavam a se desprender dos olhos. Havia se tornado aquilo que via diante do espelho no quarto das irmãs - uma mulher linda, determinada, mas vazia. Tão vazia que nem era capaz de chorar.

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