quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Capítulo 9
From a Window



Deitada em sua cama, coberta de edredons, uma menina parecia ressonar enquanto se mantinha entregue aos braços consoladores de Morfeu. Porém, as aparências enganam e, apesar de "acordada" não ser bem a palavra que mais cabia naquele estado de semi-transe de Lorelai McGuire, uma sonhadora aprendiz de feiticeira não se encontrava metida num sono profundo e reconfortante. Estava perdida em seus devaneios, ensimesmada, esperando o tempo passar. Ao seu lado, o porta-jóias que ganhara de Adhara Ivory ornamentava delicadamente sua mesa de cabeceira. Dentro dele, apenas o nada. O anel de esmeraldas estava enfiado no dedo anular direito da menina e o pingente de borboleta pendia, delicado, em seu pescoço comprido e fino.

Já era quase hora do almoço de natal, ocasião onde, de fato, toda a família Ferris se reunia na casa da senhora Doris, a desastrada avó de Lorelai. Na ceia da véspera, os tios casados (a maioria) se revezavam entre a casa da mãe e a das sogras. De fato, somente sua madrinha se ausentava todos os anos da ceia, juntamente com o esposo, Norwood Dawson, e os primos, Mary Anne, Henry e Vinicius.

Lore tentava recordar-se das cartas de Herman. Já as havia decorado após reler pelo menos mil vezes cada uma. Rememorava os últimos acontecimentos, desde que se descobrira cedendo aos encantos do mensageiro, e um sorriso bobo escapou-lhe de maneira involuntária dos lábios bem delineados. Afinal, a sensação de finalmente acreditar-se correspondida, ainda que a dúvida sobre o que acontecera com os sentimentos tão profundos do rapaz por Selune Priout, pairasse insistente sobre seus pensamentos, era como um bálsamo a aliviar qualquer sombra de sofrimento, dada a guerra que se desenrolava de maneira assustadora no mundo bruxo.

Nada acontecera a sua família, mas a garota temia que, cedo ou tarde, o pior pudesse acontecer. Ainda que frio e distante da família, Maddison era seu pai, e como um bom Inominado, jamais revelara qual sua real função dentro do Ministério da Magia, podendo bem correr algum tipo de risco. Além disso, havia o casal de tios obliviadores, Ethan e Mabelle, que Lorelai adorava, e que de um jeito ou de outro, estariam mais envolvidos com as funções de estratégia do que a menina gostaria que estivessem. Também tinha Charles, o tio caçula, também funcionário do Ministério, que desempenhava uma função de destaque na Seção de Uso Indevido dos Artefatos Trouxas. Sem mencionar ela própria, Mina, e Herman, envolvidos até os últimos fios de cabelo numa publicação clandestina subversiva que encabeçava uma investigação de comensais mirins infiltrados em Hogwarts, o que os colocava numa situação definitivamente complicada. Temia pelo que Sam, sua amiga querida de tantos anos, poderia sofrer por tabela, simplesmente por fazer parte da Máfia. E também pelas irmãs que estudavam na mesma escola, e pela pequena Heather e os demais amigos...

Sam... O riso de Lore sumiu ao lembrar-se da lufana. A moça escrevera-lhe algumas vezes nas férias, mas não tinha o mesmo brilho de sempre. Queria perguntar-lhe se havia algo errado acontecendo, mas achava perigoso por demais qualquer tipo de conversa mais séria via coruja. Teria que esperar voltarem à escola para saber direitinho o que incomodava a mafiosa de olhos cinzentos. Em suas preces, a grifinória pedia para que tivesse a ver somente com o fato de estar na França, longe do seu "Danúbio Azul", como Lore dizia quando queria implicar com a amiga sobre Darien Semog.

- LOLLYYYYYYYYY! - um berro inesperado fez com que a menina quase caísse da cama, com o coração aos saltos - Mamãe tá chamando pra gente almoçar na vovó!

De um minuto para o outro, ela sentiu um pequeno peso sobre si, puxando o edredon.

- Vamos, vamos, estou com fome, vamos!!!

Ela sorriu, pegando o pequeno Raphael e, atirando-lhe sobre a cama, encheu-lhe a barriga gordinha de mordiscadas.

- Seu moleque sem vergonha, assim você me mata do coração, sabia?

- E nessa moleza você me mata de fome! - o garotinho retrucou - Vaaaaaaaaamoooos!!!

Melinda entrou no quarto nesse instante. O menino virou-se para porta e saltou da cama, praticamente voando para os braços da irmã mais velha, que o aconchegara precariamente no colo.

- Se você continuar me agarrando assim, Raphinha, eu vou pedir sua mãe pra levar você comigo, você deixa? - a moça perguntava ao irmãozinho ainda pendurado em seu pescoço.

- Eu deixo, mas só se for só um pouquinho... - o garotinho miou.

- Como eu não quero ser a responsável por matar ninguém de fome, eu declaro que já estou indo. – Lorelai se levantava da cama, finalmente arrumando-se para se libertar do pijama.

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A mesa da sala de jantar da senhora Doris Ferris era pequena para tanta gente. Ela gostava da casa cheia, do burburinho das crianças e do quanto os filhos, noras, genros e netos apreciavam estar reunidos em sua casa em ocasiões como aquela (e também em todas as outras datas festivas e em praticamente todos os finais de semana, excetuando-se aqui as netas mais velhas, que já estavam em Hogwarts, participando dessas reuniões sem motivo específico apenas durante o período de férias escolares). Normalmente Lorelai, Felicity, Matthew e Raphael eram deslocados para outra mesa, junto com os demais primos (14 ao todo), para dar lugar aos adultos, que se revezavam na mesa retangular e maior ("tremenda injustiça", Lorelai resmungava todos os anos). Como contavam com a presença extra de Melinda, já com 17 anos, foi permitida à Fada Prensada a sua permanência na mesa principal para acompanhar a irmã mais velha.

Ela sabia que era implicância, mas naqueles poucos dias, estava ficando irritada com tantos "é para Melinda", "não mexe, é da Mel", ou "você tem que fazer isso ou aquilo porque a Melinda quer e/ou precisa". Sabia que estava sendo ridiculamente ciumenta, mas a irmã mais velha conquistara em sua própria mãe uma cúmplice que ela mesma nunca tivera. Sempre as conversas entre mãe e filha eram monólogos maternos, que terminavam com gritos malcriados da quintanista e um belo castigo. Sempre tivera que fazer por merecer o que tinha, e ainda assim, muitas das coisas que ela se esforçava em conquistar eram recebidas apenas com um "não foi mais que a sua obrigação". Ver alguém entrar em sua vida e em tão pouco tempo, ter tudo o que ela gostaria em sua própria casa sem o menor esforço, por mais compreensível que fosse, dadas as circunstâncias, era-lhe irritante ao extremo. Pelo menos, dessa vez, o pedestal de Dashwood servira-lhe também para alguma coisa que não fosse levar bronca – estava finalmente na mesa com os mais velhos.

Um casal jovem e bonito atravessou a entrada sob forma de arco, na sala de jantar da senhora Ferris, seguido de três crianças. Para variar, Denice e Norwood Dawson, tia caçula e madrinha de Lorelai, e seu esposo, chegaram atrasados. A "dinda" cercou a afilhada de agrados, pontuados com algumas críticas do tipo "mas não coma muito porque você vai engordar mais ainda". O tio sorriu abertamente para a garota, como sempre fazia.

- Boa tarde, princesinha! - ele cumprimentava a sobrinha da esposa - Gostou do presente que escolhemos para você?

Lore, de boca cheia, esticou a mão mostrando ao casal que usava o anel de esmeraldas, como que indicando uma resposta afirmativa para a pergunta do moço.

- Denice, Dawson, esta é Melinda Dashwood, minha enteada. - Liz apresentou a filha de Maddison para o casal recém-chegado.

Norwood tomou a mão da jovem, beijando-a cavalheiramente.

- Um prazer conhecê-la pessoalmente, srta. Dashwood.

A moça deu um sorriso amarelo, que Lorelai interpretou como mero constrangimento.

A quintanista de cabelos novamente ondulados (uma pena que a poção cosmética de Meridiana tivesse um efeito tão efêmero) fixava o olhar caleidoscópico nas janelas da sala da avó, esperando que, a qualquer momento, uma coruja trouxesse nas patas um pouquinho mais de alento para aquelas férias tão longas. Como nada do que esperava aconteceu até a hora do lanche da tarde (o que Lore achava um exagero, mal haviam acabado de almoçar!), a menina pediu licença aos tios e à mãe - o pai, como sempre, não estava entre eles - e voltou para casa.

Uma vez em seu quarto, largou-se sobre a cama ainda com os lençóis desarrumados, fitando melancolicamente a vidraça, observando os parcos e tímidos raios de sol contra os flocos de neve que caíam do lado de fora. Estava quase adormecendo quando ouviu um toc-toc vindo da face externa da janela. Uma grande coruja parda pedia para entrar.

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