sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Prólogo
Here, There and Everywhere



O Expresso de Hogwarts foi perdendo velocidade aos poucos. Lorelai enfiou o nariz no vidro da janela do trem, espiando do lado de fora. Logo a locomotiva parou na estação londrina de King Cross. Durante a viagem, ficara ocupada em várias cabines, conversando ora com as mafiosas, ora com as irmãs e Heather, ora com Herman, Raven, Sat, Yvaine e Luke. Nos poucos momentos que estivera na cabine desses últimos, notou que o ruivo a observava com um ar ligeiramente constrangido. Certamente Lucas Hunter teria enfim percebido a mancada que dera. Por pouco o ruivão não conheceu o peso da varinha de McGuire numa azaração. Ainda assim, águas passadas não movem moinhos e a quintanista limitou-se agir com naturalidade.

A garota saltou do trem, encolhendo-se dentro de seu casaco. Um vento gélido tocou a pele da menina, fazendo com que ela e suas fiéis escudeiras mafiosas tiritassem de frio. Fofoso, no bolso direito do agasalho, não se atreveu a pular fazendo o escândalo costumeiro. Parte pelo medo de todo aquele movimento, parte pelo frio que também o assolava. Brigitte, a amasso das irmãs McGuire, já acostumada com o movimento da estação londrina, dormia sem se incomodar com os transeuntes, em sua confortável e odiada gaiola para gatos, agasalhada num dos seus inúmeros pijamas de flanela.

Lore olhou ao redor tentando localizar algum membro da família que poderia tê-las buscado na estação para seguir viagem para York, mas não identificou ninguém naquele primeiro instante. Olhou para o relógio pequeno que trazia em seu pulso. Chegaram cerca de 10 minutos adiantados.

Felicity e Heather haviam descido do trem com Melinda. A quintanista olhou em volta novamente, tentando localizar o mensageiro.

Herman desceu o mais rápido que podia do vagão. Raven, Sat, Yvy e Luke vinham logo atrás. O grifinório pensou que com alguma sorte, talvez, pudesse ter alguma palavrinha a sós com Lore antes de buscarem-na na estação. Rapidamente ele a localizou junto a Sam e Mina, mas antes que pudesse se aproximar, percebeu que um rapaz moreno e relativamente alto se aproximou da domadora, que parecia muito iritada, enquanto as amigas se divertiam com a cena. Ele achou melhor esperar um pouco antes de se aproximar do grupo, quanto menos gente perto da fadinha, melhor.

Sam e Lorelai riam às custas da "Mimuca" e a lufana não pode deixar de fazer o comentário que a grifinória estava esperando que ela fizesse sobre o primo da generalíssima, quando ela se foi sem se despedir direito..

- Mimuca é de lascar, mas vindo daquele ser quase divino, a gente perdoa. - Sam brincava, entre gargalhadas.

Lore apenas assentia com a cabeça. A fada prensada buscou com olhos atentos, mais uma vez e rapidamente, o mensageiro, não o encontrando. Porém Heather continuava fazendo companhia a Felicity, o que indicava que ele deveria estar por perto. Voltou a sua atenção para Samantha.

Logo a lufana vislumbrou os pais se aproximando. Lore não pode deixar de notar o ar intrigado da amiga ao ver os Blair chegando pessoalmente na estação para buscá-la. Cumprimentou o casal e logo despediu-se da amiga com um abraço, que fixou os olhos num ponto mais distante e pôs-se a acenar freneticamente assim que se soltou de Lorelai.

- Feliz natal pra você também, Parker! - ela gritava, dando tchauzinho para Herman.

A moreninha virou-se instantaneamente, para verificar se não era mais nenhuma pegadinha da lufana. O que viu fez com que a menina abrisse um gigante e satisfeito sorriso.

Herman parou ao lado de Lore com um imenso sorriso nos lábios.

Enquanto observava a Máfia conversando com o amigo de Mina, o Mensageiro percebeu que seria quase impossível ficar a sós com a Fada Prensada. Ao contrário da estação de Hogsmeade, relativamente deserta porque muitos estudantes optaram por voltar para casa via Pó de Flu, King Cross estava apinhada de pessoas. Parecia que, devido à preocupação por causa da guerra, as famílias em peso haviam decidido buscar os filhos, de modo que havia mais pessoas esperando que alunos desembarcando.

-Ei, MJ - ele cumprimentou, tentando imaginar o que poderia dizer a ela depois do quase beijo, mas não encontrando as palavras, pelo menos as que ele realmente desejaria dizer.

- Oi, Herman... – a menina sorria, desconcertada. Queria dizer alguma coisa que prestasse para a razão de seu afeto, mas todo o arsenal de palavras que possuía registrado em sua memória pareciam ter simplesmente feito as malas e ido embora. A garota olhava do chão para o mensageiro, e de volta para o chão, e dali para um lado e para outro, tornando a olhar para o rapaz. Enquanto observava os próprios pés, uma grande mecha de franja extraordinariamente lisa, caiu sobre os olhos de Lorelai, acortinando-os quando ela tornou a fitar o moço.

Herman tratou prontamente de retirar os cabelos que pendiam no rosto da menina, acomodando-os delicadamente atrás da orelha dela. Permitiu-se aproximar um pouco mais de Lore, fitando-a carinhosamente. A garota olhou de esguelha para o rapaz, colocando outra mecha de cabelo atrás da orelha contra-lateral.

- Que silêncio... - ela soltou sem pensar.

Ele riu, ainda segurando o rosto dela de modo carinhoso.

- É, acho que um amasso comeu nossa língua. - ele fez uma pequena pausa antes continuar, criando coragem para uma idéia que surgira em sua mente naquele minuto - Eu... Eu posso te escrever durante o feriado?

Os olhinhos da menina brilharam mais que o habitual. Não escondeu o sorriso franco ao ouvir a proposta de Herman. Na falta da companhia com a qual ela já estava tão habituada, receber notícias ainda que via coruja era um grande negócio. Qualquer coisa que trouxesse a presença do mensageiro para perto de si durante as próximas duas longas semanas lhe era muito bem-vinda.

- Claro que pode! - ela respondeu eufórica - Deve, aliás. Preciso de notícias, tô muito mal acostumada a te ver por perto o tempo todo e... - e sentiu as bochechas exageradamente quentes, quase febris, tendo plena consciência de que deveriam estar púrpuras. Mesmo assim, insistiu consigo mesma para ser um pouco mais óbvia (se é que isso seria possível) - Vou sentir falta...

O rapaz sentiu seu rosto corar um pouco ante o entusiasmo de Lore. No peito uma sensação morna de felicidade se formava. Ficariam várias dias separados. Saber que receberia notícias dela enquanto estava em Manchester seria um alento, faria os dias dele bem mais felizes, porque, pela primeira vez desde que entrara em Hogwarts, nunca, as férias de lhe pareceram tão indesejáveis... Mas teria que se contentar com as cartas.

- Também vou sentir sua falta - ele respondeu.

Ela sorriu amplamente, não se cabendo em si de tanto contentamento. Um pouco mais segura, aproximou-se mais de Herman, segurou o rosto do menino suavemente, encostando seus lábios rosados numa das bochechas dele, dando-lhe um beijo delicado. Sem pensar no que fazia, deixando-se levar pelo clima de despedida, o rapaz a enlaçou, estreitando-a num abraço. Com o coração aos saltos, a menina deixou repousar a cabeça no ombro do Mensageiro.

- Lore, mamãe chegou! - a vozinha fina de Felicity chamava a irmã.

A quintanista, num sobressalto, soltou-se de Herman, sentindo momentaneamente o sangue sumir da face. Olhou para as duas irmãs e para Heather, que ainda estava com elas, e Felicity apontava ao longe, sua mãe e seu tio caminhando para onde estavam. Insegura, sem saber se a mãe a teria visto abraçada com o rapaz ou não, achou mais prudente seguir com as irmãs até a genitora e o tio baterista, irmão de sua mãe.

- Melhor eu ir... - a garota falou baixo - A gente se fala então?

- A gente se fala. - o rapaz afirmou.

- Promete?

- Prometo. - o Mensageiro respondeu sorrindo.

Lorelai despediu-se de Heather, dando um abraço apertado na Chispinha, que se pendurara no seu pescoço e, em seguida, correu em direção ao irmão. A garotinha acenava freneticamente para Felicity, quase gritando.

- Fe, eu vou te escrever, viu?

A Fada Prensada seguiu com Melinda e a irmãzinha, imersa em pensamentos. Aquelas férias seriam definitivamente, muito, muito longas.

Capítulo 1
Almost Home



A casa, vista de fora, aparentava ser pequena ao considerar quantas pessoas residiam ali. No entando, ao cruzar a porta de entrada, o que se via não era nada suntuoso, mas confortável e mais amplo que quando comparado com a visão externa.

A primeira impressão que se tinha da sala de estar era de uma sala relativamente comum. Observando-a com um pouco mais de atenção, nos porta-retratos haviam fotos que acenavam. Em várias delas se podia ver os rostos de Lorelai e Felicity.

- Chegamos, Melinda. - Mary Elizabeth, ou simplesmente Liz, mãe de Lore, dava as boas-vidas à enteada, que visitava sua casa pela primeira vez - Preparamos um cantinho pra você se aconchegar no quarto das meninas. Achei que você fosse ficar mais à vontade com elas, mas se preferir um pouco mais de privacidade, pode ficar também num dos quartos de hóspedes da casa de minha mãe, logo aqui na frente.

A jovem senhora finalizou o breve discurso com um sorriso sincero.

- Obrigada pelas boas-vindas, Liz. E prefiro ficar aqui com vocês. - Dashwood respondeu sinceramente.

Dois meninos - um pouco mais novo que Felicity, e outro bem menor, desceram correndo as escadas.

- Pai, elas chegaram! - Matthew, o mais velho, chamava o genitor.

- Oi! - o garoto cumprimentou a moça. Ganhou um abraço de Lore e um resmungo da Fe.

Liz apresentou as crianças.

- Melinda, esses são Matthew e Raphael, os seus irmãos mais novos. Meninos, essa é a Melinda, a irmãzinha que falei pra vocês.

- Ué, mãe, cadê papai? - Lorelai perguntou, olhando as escadas.

- Estava lá em cima quando saímos.

A quintanista abriu a boca para perguntar porque então ele não fora buscá-las na estação, uma vez que estava em casa, mas achou mais prudente calar e poupar a visitante daquele papelão. Lore já estava acostumada com o jeito sério, calado e distante do pai, mas talvez não fosse essa a expectativa da meia-irmã.

- O que acha de subirmos, tomarmos um banho e descermos rapidinho para comermos? - a fada prensada convidava a setimanista, já se dirigindo rumo aos degraus que davam acesso ao andar superior. - Mark, por favor, ajuda a gente a levar essa tralha?

O tio das meninas, resignado com a sina de ajudante de sobrinhas, sorriu e fez um comentário engraçadinho.

- Ok, mas isso vai custar 5 galeões para cada mala.

- Mark, você está inflacionando! - Lorelai ria, fingindo protesto.

- É, mas quem sabe assim você aprende a carregar menos bagagem e dá um bom exemplo para a sua irmã?

- Ei! - a fadinha esbravejou - Mas a bagagem não é toda minha, tem metade aí que é da Mel!

- Sim, mas ela é visita. - finalizou o tio, com um sorriso cínico.

Lore abriu a boca para responder, mas resolveu calar-se, mais uma vez. Afinal, ela e a irmã já estavam se acostumando com a presença de Dashwood em suas vidas, mas as pessoas em sua casa viam tudo aquilo ainda como uma grande novidade.

Abrindo a porta do seu saudoso quarto, a moreninha de cabelos agora lisos entrou, jogando-se em cima de sua cama, enquanto a branquelinha de cabelos muito negros pulava na dela.

- Acho que aquela ali do canto é a minha, não é? - a moça mais velha observou apontando para uma cama no extremo do quarto.

Melinda passou os olhos nos detalhes da decoração improvisada, contra a vontade de Liz, do quarto das meninas. Nas paredes, até quase na altura do teto, haviam vários pôsteres e fotografias em murais. Boa parte das imagens era de um quarteto que Dashwood desconhecia. Notando o olhar curioso da irmã, Lore decidiu apresentar o quarto e as fotos.

- São uma banda trouxa. - a moreninha explicava. - Aquele ali de óculos redondinho já até morreu. Na verdade a banda nem existe mais e nem é da nossa época, mas eu prefiro as músicas mais antigas. Mamãe diz que ela nem era ainda adolescente quando eles começaram a fazer um baita sucesso. The Beatles, eles se chamavam. Tenho vários CDs aqui, se você quiser ouvir algum dia.

- Banda trouxa? Você gosta? CD? O que é um CD? - Melinda tentava assimilar tanta informação nova junta.

- Isso é coisa do vovô... - Felicity tentou explicar alguma coisa para parecer importante. - Bom, pelo menos é o que a mamãe diz...

- Vovô faleceu há 03 anos. Ele era amante de tudo que se relacionava ao mundo trouxa e influenciou a gente. Diga, Mel, você conhece cinema trouxa? É tão legal! E os livros trouxas então? Caracas, quando li um livro de fantasia pela primeira vez fiquei abestalhada com a visão que eles têm do mundo mágico! - Lorelai contava empolgada.

- E é por isso que a senhorita faz Estudo dos Trouxas, certo? - a mais velha concluiu.

- Elementar, minha cara Dashwood. - a fadinha piscou.

Dashwood continuava prestando atenção nos detalhes do quarto, nos retratos das meninas dando adeusinho pra ela nos murais. Reconheceu Samantha Blair, uma das amigas de Lore, em várias fotos. Observando o que a irmã reparara, a quintanista abriu a bolsa e retirou dela um maço de novas fotos, contendo desta vez Mina, Herman, Meridiana, Raven, Satanio e é claro, Samantha. Começou de imediato a substituir algumas fotos mais antigas pelas recentes, dando o lugar de destaque merecido aos seus novos amigos.

- Depois do feriado, vamos colocar várias fotos suas também. - Felicity já foi avisando.

- Inha, onde posso colocar minhas coisas? - Melinda interrompeu a diversão da fadinha, já distraída na sua tarefa de arrumar os murais.

- Aff, que tonta eu sou! Pode brigar comigo, eu sou mesmo uma mal-educada. Na boa, não sei receber as pessoas, pra mim todo mundo é de casa, não liga. Quer dizer, não que você não seja, mas acabou de chegar e então... Ah, deixa pra lá, vamos colocar suas coisas no armário, mamãe com certeza separou pelo menos uma das partes para você.

Assentindo com a cabeça, Dashwood começou displicentemente a abrir as portas do guarda-roupa, tentando descobrir qual delas estaria disponível. O que viu logo na primeira fez com que a setimanista involuntariamente soltasse uma sonora gargalhada. Na face interna da porta de madeira, havia um pequeno mural de cortiça, com um único recorte do Profeta Diário, onde estava estampado uma foto enorme de Harry Potter na ocasião do torneio tribruxo.

- Mas que diabos é isso aqui, Lore? - a mais velha não sabia se ria, se chorava, se dava uns cascudos na irmã ou o que.

Vendo-se descoberta de maneira tão inesperada, a quintanista voou na porta, arrancando o recorte da cortiça com a sutileza de um cão de três cabeças. Em questão de segundos, o pergaminho havia se dividido em minúsculos pedacinhos.

- Passado negro e sombrio, e como quem vive de passado é museu, melhor jogar isso bem longe. - disse Lorelai, enquanto substituía o recorte por uma foto dela própria, junto de Herman e Mina - Bem melhor assim!

Dashwood observava a nova imagem de maneira quase intrigante.

- O que foi, Mel? Já tirei o Legume Potter do meu guarda-roupas, qual é o problema agora? - a fada prensada parecia ligeiramente aborrecida.

- Nada. - Começou Melinda - Só estou me perguntando por que você não colocou uma bem bonitinha só com o Mercury.

Lore olhou de soslaio para a irmã.

- Porque eu não quero certas intromissões, se é que me entende. Mamãe me arranca a pele com as unhas se sonhar com uma coisa dessas. Ela não vai me deixar namorar nem tão cedo... Logo, não preciso dar asa à cobra, certo? - E notando o ar de quem iria soltar mais alguma pérola irônica e a agente Canela sabia bem o que seria, tratou de se antecipar - E deixar Harry Potter no meu armário é algo aceitável, uma vez que o legume é uma celebridade bruxa. E tenho dito. Agora chega de explicações. Vamos comer.

Felicity, do contra, lembrou:

- Mas você não disse que a gente ia tomar banho e tralalá primeiro?

- Mudei de idéia. Tô com fome. E fico mal-humorada com fome. Vamos.

E saiu do aposento, deixando as duas para trás.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Capítulo 2
Please Mr. Postman



Querida Lore...

Como vão as coisas com você nessas férias? Espero que esteja bem... Provavelmente deve estar se divertindo muito... Revendo seus irmãos... e ainda com a Melinda na sua casa... Sem falar no monte de parentes que você tem. Deve estar uma festa enorme por ai.

Eu estou legal. É incrível que descobrimos o quanto sentimos falta de casa quando estamos em casa. Estamos nos preparativos para a ceia. Não sei se te contei, mas minhas avós têm um restaurante aqui em Manchester. Nada muito grande, mas é bacana. Eu te mostro quando você vier aqui. Fazemos a ceia de Natal sempre lá. A comida das minhas avós é uma coisa de fazer cair o queixo. O pudim de Natal da Vovó Franny é tão bom quanto o peru da vovó Emma. Acho que nem os elfos de Hoggy conseguem cozinhar tão bem.

Tio Jack deve chegar na noite da ceia, pena que a tia Andie não conseguiu vir de Nova York...Eu já te falei dos meus tios, não falei? Se não tiver falado, conto em outra carta.

A Heather está aqui, pescoçando, perguntando para quem estou escrevendo. Pediu para mandar um abraço para a Fê.

E eu, sinto que estou enrolando... Como sempre, aliás, dizendo um monte de coisas quando na verdade o que eu queria dizer é que sinto saudades. Muitas saudades. Mais do que qualquer coisa que eu escreva aqui possa traduzir.

Foi tão bom o tempo que passamos juntos na festa do Slughorn. Mas tão rápido (Nessas horas um vira-tempo faz realmente falta). Não queria ter que esperar todos esses dias para te ver de novo. Mas, paciência, vou ter que me contentar com as cartas. (e desconfio que vou entupir a sua caixa de correio, espero que não se importe)

Beijos,
Herman.


**********************


Mais um dia frio no inverno de York. No interior de uma das casas da cidade, no entanto, o feriado estava sendo particularmente diferente dos anos anteriores. Fosse em outras épocas, haveriam quatro ao invés de cinco filhos na casa dos McGuire. Também haveria uma Lorelai mais sociável e uma Felicity mais reclusa. Liz, a mãe das meninas, observava a mudança que poucos meses em Hogwarts provocaram na pequena Fê. A pirralha até havia arranjado uma amiguinha e estava se correspondendo com ela, coisa que em outras épocas ninguém esperaria.

Quanto à Lore, achou melhor não perguntar nada por enquanto, talvez a menina estivesse somente cansada da viagem e afinal, era o ano dos NOMs. É certo que Lorelai nunca foi dada a dispensar horas preciosas do seu tempo com estudos, mas naqueles dias, invariavelmente, Liz se deparava com a filha mais velha carregando livros de um lado para outro, vigiando as corujas no céu ou sentada na janela esperando algo que ela descobriu, mais tarde, ser o "carteiro", como os trouxas chamavam os sujeitos que faziam o serviço das corujas.

Não bastasse, a presença de Melinda em sua casa realmente era prazerosa. Liz encantou-se com a moça, desprendendo-lhe cuidados como se ela também fosse sua filha, e não somente do esposo. Mel estava à vontade entre os familiares recém-descobertos e parecia uma criança junto dos irmãos menores. Sensível, a matriarca do clã dos McGuire atribuiu o comportamento da jovem ao fato de ser a primeira vez que ela se via verdadeiramente em família. Melinda crescera somente com a mãe, que sempre fez tudo o que pôde para melhorarem de vida, ainda que fosse às custas da filha. Embora para Mel a atitude da mãe também fosse proveitosa para ela, estar rodeada de irmãos e ser cuidada como um bibelô era realmente maravilhoso.

Numa manhã friorenta, eis que o carteiro finalmente bateu à porta.

- Eu atendo, é pra mim! - a moreninha desembestou correndo até a porta. Recebeu o moço com polidez, entrando em seguida, com um envelope meio escondido atrás das costas.

- Recebeu cartas, Inha? Do seu namorado ou das suas amigas? Ou de todos eles? - Melinda provocava.

- Shhh, fala baixo, Mel, mamãe pode ouvir e vai me arrancar o couro se souber dessas coisas. E depois, eu não tenho namorado. Cadê a Fê?

A irmã mais velha sorriu.

- A branquela está na cozinha com Liz. E vai me dizer que você não está namorando? Engana outro que de boba eu não tenho nada.

Lorelai coçou a cabeça. O pior é que estava dizendo a verdade, embora desejasse que as palavras da irmã simbolizassem algo verídico.

- Não tô, Inha, é sério.

- Ah, vai me dizer que não rolou nem uns beijinhos, Madame Butterfly?

- Não... - a quintanista suspirou.

- Eu não posso acreditar! - Melinda protestou sem esconder o ar de riso. Era impressionante o quanto aqueles dois eram lerdinhos. - Vocês passam a festa inteira grudados, eu me dou o trabalho de tirar as pirralhinhas de perto de vocês na estação e você me vem agora com essa cara mais deslavada do mundo me dizendo que não rolou NEM UM BEIJINHO? O que vocês dois têm na cabeça? Titica de morcego?

- Nem me fale em morcegos... - Lore resmungou. - Trauma de infância, se é que me entende. Agora pode me dar licença um instantinho? Preciso checar minhas correspondências...

- Certo, mocinha, mas assim que tiver novidades, eu quero saber. Precisamos dar um jeito nessa sua maneira pastel de ser. - a irmã mais velha provocou.

- Ah, não enche! - Lorelai respondeu rindo e se retirou correndo para o quarto. Precisava ler o que recebera o quanto antes.

Capítulo 3
All You Need Is Love



- Lorelai, você está bem? - Liz perguntou à filha, que estava quase em transe na mesa na hora do jantar.

- Hã? - a garota sobressaltou-se. - Tá tudo bem, mãe... A senhora disse alguma coisa?

Liz olhou de soslaio para a menina.

- Tem certeza? Pedi para você passar a alface e você continuou parada, de boca aberta, olhando para o nada...

- Foi, é? Nem percebi...

A quintanista de olhos caleidoscópicos repassava mentalmente mais uma vez a carta que recebera do mensageiro. Havia lido tantas vezes em tão pouco tempo que decorara até as vírgulas. Ele estava com saudades! Quase caiu dura ao ler aquilo, esperava receber alguma correspondência do mensageiro, mas nunca sonhou que fosse algo tão fofo.

Melinda e Felicity se levantaram da mesa nesse instante.

- Terminamos. Vamos lá dentro rapidinho resolver umas coisinhas e já voltamos, ok? - disse a mais velha, enquanto a mais nova a seguia, com um ar extraordinariamente matreiro.

Lore deu mais algumas garfadas na comida e teve um sobressalto. A carta! Havia deixado sobre a escrivaninha e, como privacidade naquela casa era algo raro, estava dividindo o seu aposento com as duas irmãs, pra variar um pouco. A menina sumiu das vistas dos pais e dos dois irmãos tão rápido quanto um relâmpago. Ao chegar no quarto, confirmou suas suspeitas. Melinda havia lido a correspondência enquanto Felicity dizia "Bem que a Heather me falou pra ficar de olho... Eu sabia que tinha treta aí!"

- Me dá isso, Mel! - a dona da correspondência pulava sobre a irmã, tentando alcançar o braço esticado da moça que segurava o pergaminho de Manchester. - Isso não é justo, me dá!

- Que bonitinho! - a setimanista provocava. - Agora precisamos só finalizar o processo. Eu posso ser madrinha? Afinal, eu fui mediadora do passo derradeiro, assim eu creio...

- Haja casório e filho pra tanta madrinha, mas como por enquanto não tem ninguém casando, nem parindo, nem namorando, ME DÁ ISSO AQUI, MEL! - Lorelai continuava aos saltos, tentado recuperar sua carta.

- Só se você me mostrar o que você respondeu, pra eu ver se está de acordo... - Dashwood continuava brincando com a irmã.

- Tarde demais, já foi enviada. - a moreninha mentiu, finalmente tomando posse do que era seu. Havia rascunhado uma carta, mas ainda não tinha enviado ao mensageiro. Queria revisar algumas vezes para ter certeza de que estava adequada. - Respondi assim que li, nem sei se estava boa... Acho que eu fui meio seca. Por que eu sou tão idiota, por que, por quê?

Melinda encarou a irmã, séria. Pediu licença para que a mais nova as deixassem a sós para conversarem e Felicity deixou o quarto, mas não sem reclamar.

- Maninha, qual é o problema? O menino está caidinho por você, ainda não percebeu, Butterfly? Por que tanto medo de ser você mesma?

Lorelai suspirou, resignada, lembrando-se de Selune.

- Eu ainda fico em dúvida, Mel. Ele gostava de Selune Priout, do sexto ano, conhece? A loirinha francesa? Ele era louco por ela desde que se entende por gente, e de repente, em menos de dois meses, eu recebo uma carta dessas... Não que eu não tenha gostado, mas não dá pra ter certeza de nada até... Até... Bom, até qualquer coisa acontecer para que eu tenha certeza de alguma coisa, oras.

Compreendendo a situação, a setimanista sorriu.

- Madame Butterfly, as coisas são assim mesmo... Ninguém explica o que acontece no coração da gente, ninguém manda nos próprios sentimentos... – Melinda fez uma breve pausa. - Infelizmente... Mas no seu caso, felizmente, Lore! Eu acho que a loira do sexto ano rodou, a menos que Mercury seja um cachorrão, o que eu não creio que seja verdade... Pelo menos, não pelo que Yvaine fala. Relaxa, eu tenho certeza que o mocinho está completamente apaixonado por você. Vai por mim, eu não costumo me enganar com essas coisas... - e suspirou de novo, com o sorriso sumindo por um instante dos lábios.

A quintanista sentou-se na cama ao lado da irmã, que lhe emprestou o colo. A cabecinha de borboleta estava em polvorosa, sem conseguir coordenar os sentimentos e a razão num mesmo compasso.

- Espero que você tenha razão, Inha...

Enquanto fazia cafuné em Butterfly, como Melinda chamava Lore, a setimanista manteve o semblante algo carregado, sério, até um pouco triste. Meneou a cabeça como que tentando afastar os pensamentos indignos daquele feriado tão especial. Queria que pelo menos durante aquelas duas semanas, ela pudesse fazer o que aconselhou à irmã – ser ela mesma. Como se isso fosse possível...

Capitulo 4
Another Girl



Querido Hermie,

Você não faz idéia do quanto eu fiquei feliz ao receber a sua carta! Sério! Pode entupir a caixa de correio o quanto quiser, eu não ligo... Bom, se bem que não temos caixa de correio aqui em casa, mas tudo bem. Sinto que as corujas vão trabalhar bastante nesse feriado...

Fico contente que esteja tudo bem por aí. Aqui, de fato, tudo anda muito divertido. Inclusive para as minhas irmãs, que puseram as mãos na carta que você me mandou assim que eu desgrudei dela. A Mel está aqui me perturbando até agora por causa disso. Às vezes eu ainda custo crer que tenho outra irmã, e tenho mais dificuldade ainda pra acreditar no quanto aquela moça cheia de pose que eu via de longe na sala comunal pode parecer uma criança! Acho que ela gostou de estar aqui, pelo menos vive sorrindo, brincando, e para a Fê está sendo ótimo. Nem parece a mesma menininha emburrada de sempre. As duas se adoram, não se largam pra nada, nem pra me encher as pacuínhas...

Legal saber mais da sua família. Você não tinha me falado das suas avós, nem dos seus tios. Também, acho que eu falo tanto que nem deixo você contar muita coisa, né? Quando você puder, eu adoraria saber mais. Gostei de saber do restaurante! Sabe que a minha mãe também é uma excelente cozinheira? Enquanto estamos em casa, tenho que ficar me vigiando, senão viro uma bolinha e é bem capaz de eu voltar a Hogwarts rolando. Vivo dizendo a ela para abrir um negócio próprio, mas ela me responde sempre que isso é complicado. Mas que eu acho que daria muito certo, isso eu acho.

De resto, minha casa e a de minha avó estão entupidas de gente. Tios e primos saindo pelo ladrão. Crianças pra tudo quanto é lado, você precisa ver a festa! Minhas tias continuam falando pelos cotovelos (tive a quem puxar), meu tio continua me paparicando (não sei se já cheguei a comentar com você sobre isso, o fato é que às vezes até incomoda um pouco, sabe?), minha avó continua aprontando as suas presepadas (também tive a quem puxar nesse aspecto), Matthew, pra variar, quer saber tudo sobre a escola (ele não vê a hora de começar a estudar em Hoggy) e Raphael, um pestinha. Meu pai também continua o mesmo: calado, na dele, sem interagir muito com o clima festivo. Básico, é sempre a mesma coisa...

Acho que escrevi demais, e no fim das contas, eu também acabei enrolando e não disse o que eu realmente queria... A verdade é que eu não faço idéia de como dizer o que sinto. Eu estaria mentindo se eu dissesse que não estou com saudades. Também seria uma grande lorota dizer que eu não estou contando os dias para o feriado terminar. É estranho como algo pode ser tão bom e tão ruim ao mesmo tempo...

Quanto à festa do Slug, eu nunca pensei que pudesse ser tão boa. Nem imaginei que pudesse estar agora rabiscando um pergaminho para te responder uma carta. Aliás, a carta mais querida que eu já recebi. Espero outras, ansiosa.

Beijos.
Lore

P.S.: A Fê também manda um abraço pra Heather.


*************************


Herman dobrou o pergaminho, colocando-o novamente dentro do envelope, e guardando-o dentro da gaveta de sua escrivaninha. Um sorriso abobalhado continuou em seu rosto, mesmo depois de ler pela milionésima vez a carta que Lorelai havia escrito para ele naquela manhã. Sentiu repentinamente um peso em suas costas e os cabelos da irmã caçula a tampar-lhe parte do rosto.

- Chispinha! Quantas vezes vou ter que te pedir para bater na porta?

- Muitas e muitas - a menina respondeu ainda agarrada no pescoço do irmão, rindo - mas dessa vez, se quiser brigar com alguém, briga com aquele moço que está ali na porta. Ele que me falou para te dar um sustão.

Heather escorregou do pescoço de Herman, permitindo que o rapaz se virasse para ver quem havia chegado. Um sorriso de felicidade se estampou no rosto do rapaz ao ver um homem moreno e alto, quase uma cópia mais velha do próprio Herman, não fosse o cavanhaque que se destacava no rosto. Era seu padrinho, Jack Mercury.

- Tio!!! - ele levantou de sopetão, dando um abraço no padrinho - Achei que ia chegar só na hora da ceia!

- Vim mais cedo este ano. Achei que mamãe ia gostar de uma ajuda extra, já que a Andie ficou presa na América.

O homem sentou-se na cama do sobrinho, enquanto Heather, praticamente pulava nas costas de Jack, se acomodando ali para participar da conversa. Herman meneou a cabeça, a irmãzinha realmente não tinha um senso muito bom sobre o que seria privacidade. Será que não passava pela cabeça da Chispinha que talvez ele quisesse falar a sós com o padrinho? O melhor era se conformar, assim sendo, sentou-se ao lado dos dois na cama.

- Vi a ruivinha ontem na minha loja. - Jack começou - Ela foi comprar um presente para o Nick. Ela estava menos alegre que o normal, mas achei melhor não comentar nada. Vocês não estão com problemas na escola, estão?

Herman coçou a cabeça por alguns segundos antes de responder. Problemas na escola era algo relativo, mas definitivamente estar envolvido na investigação de supostos comensais juvenis infiltrados em Hogwarts poderia ser classificado como um problema. Contudo, não queria preocupar o tio com aquela situação. Além do mais, ele sabia que a tristeza da amiga nada tinha a ver com o Olho do Grifo ou mesmo o Olho da Serpente.

- Você se importa se eu manter segredo disso? Te juro que não é nada perigoso ou com que precise se preocupar ou mesmo deixar o sr. Johnson preocupado. Mas é uma coisa da Meri e não posso dizer sem autorização dela.

O homem mais velho sorriu para tranqüilizar o afilhado.

- Por mim, tudo bem. Pelo que conheço dos dois, mais cedo ou mais tarde ela vai acabar contando para o pai, e Nick sabe lidar com esse tipo de coisa. A minha preocupação era que o problema dela também envolvesse você.

Herman abaixou o rosto. No começo talvez os problemas da amiga fossem os mesmos que os dele, mas agora, tirando sua preocupação com a ruiva, nada daquele assunto lhe dizia mais respeito. Era estranho como as coisas mudaram tanto em tão pouco tempo, e ao mesmo tempo parecia tão certo e tão natural.

- Pode relaxar, tio. Eu não poderia estar mais feliz.

- É verdade! - Heather interrompeu o irmão mais velho, e deixando-se cair para trás na cama dele, disse - Herman arrumou uma namorada!!!

A cor do rosto de Herman saiu de um tom claro até alcançar a mais forte escala do vermelho. Era quase de um púrpura escaldante. Será que Heather estava apenas tirando onda com ele como de vez em quando gostava de fazer ou ela sabia alguma coisa sobre Lorelai?

- C-como você sabe?

A menininha assoviou, fingindo-se de desentendida.

- Um passarinho vermelho e outro amarelo me falaram - ela respondeu, quase cantarolando.

O mais velho dos irmãos Mercury arqueou a sobrancelha, a caçula estava aprontando alguma coisa ou realmente estava apenas brincando com ele. Herman estava disposto a fazer Heather confessar tudo. Estava prestes a pular em cima da irmã e enche-la de cosquinhas até que ela soltasse a língua quando sentiu-se sendo puxado pelas mãos do tio. No instante seguinte, estava com a cabeça presa debaixo do braço direito de Jack, enquanto a mão esquerda do tio em um punho fechado friccionava o couro cabeludo do rapaz em um arremedo de cocão.

- Aeeeeeee, moleque. Escondendo o jogo do velho Jack aqui, é? Arruma namorada e não conta nada para o padrinho não?

Herman não respondeu. Sabia que não adiantava espernear ou reclamar. Às vezes Jack Mercury era mais criança que os dois sobrinhos juntos. Depois de um tempo, o homem deixou o sobrinho livre para responder a enxurrada de perguntas que ele iria despejar sobre ele.

- E então - começou Jack entre o divertido e o curioso - está namorando ou não?

O mensageiro encarou o tio por alguns segundos sem saber exatamente o que responder. Não havia feito nenhum pedido normal, sequer chegara a beijar Lorelai - e não foi por falta de tentativa, mas, ainda assim, para ele, depois da festa do Slughorn, a única coisa que realmente faltava para concretizar o namoro era o beijo.

- Acho que posso dizer que estou namorando sim. - ele respondeu, sorrindo, mal contendo no peito a felicidade em poder dizer isso em voz alta - A gente ainda não se beijou, mas acho que dessa vez vai dar certo. Dessa vez eu realmente estou apaixonado.

O semblante de Jack ficou ligeiramente mais sério ao escutar a fala do sobrinho, compreendendo perfeitamente o que ele queria dizer. Então a menina por quem Herman estava apaixonado não era a tal francesa. As coisas pareciam não ter dado certo com a loira. Talvez, quando estivessem apenas os dois, o sobrinho se sentisse mais a vontade para contar como se deu essa reviravolta. Contudo, Jack tinha que admitir que em todos aqueles anos em que Herman lhe pediu conselhos sobre o que fazer, nunca vira uma expressão tão feliz e iluminada no rosto do sobrinho quando ele falava da outra menina.

- Eu não disse? - a voz de Chispinha se fez ouvir mais, alto, chamando a atenção dos dois - Tá namorando! Tá namorando! Tá namorando! Tá namorando!

Ela cantava, enquanto dava pulinhos na cama, em um arremedo de dança. Daquela vez, Herman não se segurou, pulando em cima da irmã, e enchendo a barriga dela de cócegas.

- Estou sim, moleca, mas deixa eu conversar com a Lore primeiro antes de você espalhar para a família inteira e para a metade de Hogwarts!

- Eu prometo! Eu prometo! Eu prometo! - ela respondeu entremeio aos risos.

O rapaz largou a irmãzinha caçula, que se levantou, com um enorme sorriso no rosto.

- Posso contar para a Fê? A gente promete guardar segredo... Pelo menos até você deixar de ser besta e beijar a Lore.

Herman deu um tapa na cabeça. Definitivamente a irmã era muito mais ativa que ele. Ela iria dar um trabalho enorme quando chegasse a época em que começasse mesmo a se interessar por garotos.

- Tudo bem. Mas se quebrar a promessa, vai se ver comigo.

Ela piscou marotamente para o irmão, enquanto se levantava da cama.

- Olha só, vou lá agora escrever para a Fê e depois eu volto.

No instante seguinte, a menina cruzava a porta como o foguete que ela era. Herman apenas balançou a cabeça. A irmãzinha era completamente maluca. Apostava que mesmo se ele não tivesse deixado, ela acabaria contando para Felicity. Pelo menos conseguira arrancar dela a promessa de que as duas só abririam a boca sobre o assunto quando ele se acertasse de uma vez com a Fada Prensada.

- E então? - a voz de Jack fez Herman voltar à realidade - Pelo visto tem muita coisa para me contar, não é? Pega o casaco. Vamos sair! Pelo que te conheço vai querer um pouco de privacidade para me contar timtim por timtim sobre essa nova menina.

O rapaz sorriu abertamente, pegando imediatamente o casaco que estava em cima da cadeira. Tudo o que ele mais queria desde a festa do Slug era conversar com alguém sobre Lorelai. Não por cartas ou pergaminhos, mas pessoalmente. E não poderia ter pessoa melhor para isso que seu tio Jack.

Capítulo 5
Paperback Writer



A menina de olhos caleidoscópicos estava folgadamente deitada no sofá de sua casa. Havia um entra e sai de gente que deixaria qualquer um que tentasse se concentrar em algo a ponto de explodir. No entanto, Lorelai estava centrada num pergaminho, rabiscando qualquer coisa que não a deixava prestar atenção na bagunça ao seu redor. Não se tratava de nada relacionado à escola ou ao Olho do Grifo, mas apenas suas anotações sobre o feriado, uma espécie de diário de bordo. Não percebeu quando uma moça morena de orbes azuis se sentou no chão, ao seu lado, e passou rapidamente os olhos no que Lore escrevia.

- O que Butterfly tanto escreve aí, tão quietinha? Carta para o Mercury? - Melinda provocou de leve a irmã, com um sorriso malicioso nos lábios.

- Não, e pelamordemerlim, fala baixo, Mel. - a mais nova respondeu, olhando de soslaio para os lados, verificando se havia mais alguém que pudesse ouvir a conversa. - Mamãe me arranca o couro se sonhar com essa história...

Dashwood deu os ombros.

- Não entendo porque tanto medo da Liz descobrir sobre o Mercury. Na verdade, você mesma disse que não estão namorando... Embora eu duvide muito de que a coisa fique parada nesse ponto... Bom, mas então o que você está escrevendo se não é uma carta para o seu amigo colorido?

- Nada demais... Só rabiscando qualquer coisa pra não perder o costume, insanidades que se passam na minha cabeça caleidoscópica, nada além disso. - Lorelai sorriu.

- Pelo visto você gosta mesmo de escrever, não é, maninha? - a garota mais velha instigou. - E que tipo de coisa você escreve? Crônicas, pensamentos? Posso ler alguma coisa qualquer dia desses?

A mais nova corou, não esperava por esse interesse repentino da irmã mais velha nos seus manuscritos, na maioria das vezes, non sense.

- Não é nada demais mesmo, mas se você quiser ler alguma coisa, tenho aqui alguns textos soltos... É, como eu disse, mais uma espécie de diário aleatório suspenso no fantástico mundo de Lore do que qualquer outra coisa, nada que eu ache que realmente valha a pena, mas se você você realmente quiser ver...

A moreninha estendeu a mão com alguns pergaminhos contendo textos variados, que continham desde seus apontamentos sobre as férias até a importância das pessoas que a cercam em sua vida. Melinda passou os olhos rapidamente, deixando escapar um sorriso discreto.

- Você escreve bem, Butterfly... E tem algumas passagens que acredito eu, só você as entende, não é? Muitas metáforas... Eu queria poder escrever assim algum dia. Preciso confessar que sou fã de bons textos. Diga-me, inha, você já teve a curiosidade de ler alguma edição do Olho do Grifo? Você sabe do que eu estou falando, né?

Lorelai sentiu um nó na garganta e uma sensação gelada na boca do estômago. Não esperava que a irmã tivesse conhecimento sobre o jornal, ou mesmo interesse nesse tipo de coisa. Não sabia como reagir, nem o que retrucar. Na dúvida e no supetão, respondeu o que lhe veio de imediato na cabeça.

- Não conheço os textos... Já ouvi falar do fanzine, mas nunca li...

- Então não sabe o que está perdendo... - Dashwood piscou - As autoras realmente fazem um ótimo trabalho, e já que você gosta tanto de escrever e ler, devia dar uma bisbilhotada qualquer hora dessas. Eu gostaria muito de saber me expressar como elas...

A quintanista observava a irmã, quase incrédula. Melinda não só era leitora do Olho, como também já havia lido seu texto, uma vez que mencionara as autoras, no plural. Retomou o ar de naturalidade, tentando parecer o mais causal possível. Ninguém, absolutamente ninguém poderia suspeitar de quem estaria envolvido na publicação do fanzine, nem mesmo suas irmãs. Outrora, o jornal que fora uma manifestação anti-Umbridge, no momento atual fazia parte de um contexto bem mais sério e terrivelmente perigoso. Apesar de parecer sempre avoadinha e um tanto inconseqüente, Lorelai tinha os pés no chão quanto à gravidade da coisa quando se envolvera nela. Claro que a verdade foi sendo trazida à tona aos poucos, mas como ela mesma dissera ao mensageiro, não era possível acreditar, mesmo antes de conhecer sobre as investigações e se envolver nelas, que estariam seguros em Hogwarts como se sob uma redoma enquanto o mundo caía sobre as cabeças das pessoas do lado de fora dos muros do castelo. Depois de uma respiração profunda e controlando friamente os nervos à flor da pele, disse sem emoção na voz:

- Obrigada pela dica, Inha, vou procurar algum texto qualquer hora dessas...

Melinda assentiu, sorrindo. O semblante da moça transformou-se de repente, e um ar de curiosidade estava nitidamente estampado nele. Dashwood apoiou os braços no sofá, encarando a irmã.

- Mudando de assunto... O que você vai dar para o Mercury de presente de natal?

Lore arregalou os olhos. Tinha pensado no assunto, chegara a planejar alguma coisa, mas não havia chegado a nenhuma conclusão a respeito.

- Bom, eu... Hã... Eu ainda não sei...

- Como não sabe??? - a mais velha a interrogava entremeio aos risos - Cabecinha de borboleta, o natal é essa noite, você precisa correr!

McGuire coçou a cabeça.

- Eu queria fazer algo especial, mas o tempo não me ajuda... Bom, eu até pensei em comprar lã e fazer algo manual, mas não tenho tempo hábil pra isso...

- O que me diz de sairmos para comprar o que você precisa? Você cozinha?

Lore assentiu. Afinal, se não lhe falhava a memória, fora criada para ser uma amélia perfeita e completa. Carreira viria por consequência em sua vida, segundo os planos de sua mãe.

- Ótimo! - Melinda respondeu. - Você pode preparar alguma coisa personalizada, algo como chocolates, biscoitos, coisas assim, e enviar hoje, junto com um cartãozinho simpático, avisando que o presente definitivo vai depois, pessoalmente, o que acha?

A mais nova abriu um enorme sorriso. Sua mãe passaria o dia todo na casa de sua avó preparando a ceia para mais à noite, logo a cozinha estaria livre para ela. As duas irmãs vestiram os casacos e já estavam na porta quando ouviram uma vozinha fina atrás delas.

- Esperem aí, eu vou com vocês! - Felicity vestia apressada seu próprio casaco e se aquecia com um gorro de lã e seu cachecol, todos meio tortos devido à pressa da pequena, tentando acompanhar o passo das duas irmãs mais velhas e não ficar para trás na aventura pelas ruas gélidas do inverno de York à caça de presentes de natal para o irmão da Chispinha.

Capítulo 6
And I Love Her



- Mãe, tô saindo com o tio Jack. - Herman gritou em direção à cozinha, enquanto o padrinho abria a porta da rua.

Minutos depois, os dois estavam caminhando pelas calçadas parcialmente congeladas de Manchester. Aquela manhã de dezembro estava particularmente fria, e tanto Jack quanto Herman se encolheram dentro dos casacos, permanecendo em silêncio até entrarem em uma lanchonete próxima.

Depois de se acomodarem em uma das mesas, a garçonete se aproximou, para anotar os pedidos.

- Um café irlandês para mim, e se eu não me esqueci, um eggnog para o rapazinho ali.

Herman assentiu com um sorriso. Assim que a moça se afastou, Jack reclinou-se para trás na cadeira, cruzou os braços na altura do peito:

- Desembucha, moleque - disse ele, em um tom brincalhão - Está escrito na sua cara que você está doido para me contar o que aconteceu. Pelo visto a francesinha é história antiga, não é?

- Antiga e complicada - Herman começou, mais sério do que Jack esperava. O rapaz coçou mais uma vez a cabeça, tentando encontrar um modo de contar o ocorrido sem implicar Meridiana na história, por fim decidiu-se ir direto ao ponto central - Ela está com outro.

Jack deu um tapa na própria testa, muito semelhante ao que o sobrinho dera em si mesmo, mais cedo em casa. Herman quase riu da atitude do tio e no quão parecidos eles dois podiam ser.

- Pelos óculos do Stan Lee, você não está me dizendo que você está com essa menina nova para curar dor de cotovelo, não é? Seria muita sacanagem com a menina.

Herman balançou a cabeça. Escutando o tio, mal dava para acreditar que era o mesmo cara que na juventude rodou metade do mundo colecionando namoradas em cada pais que passava. Se bem que, apesar da coleção, ao que constava o rapaz, o tio era bem fiel a cada uma das moças. Pelo menos enquanto estava com elas. No fundo, Jack sempre foi um romântico incurável como o próprio Herman, só não teve a sorte de encontrar a "pessoa especial" como o próprio padrinho costumava dizer.

- Ela é a Mary Jane, tio! - Herman cortou. - A moça nova...

Um sorriso amplo abriu-se nos lábios do homem mais velho. Jack era tão nerd quanto o sobrinho. Aliás, foi ele quem ensinou Herman a gostar de quadrinhos, que o fez descobrir o imenso e maravilhoso mundo geek que os circundava. Por isso, o impacto daquela frase foi grande para Jack.

- Você está falando sério? - ele perguntou, a felicidade pela sorte do sobrinho impressa em cada sílaba.

- Estou! - Herman disse com ainda mais confiança ao perceber a reação entusiasmada de Jack - Ela é a minha MJ... É bonita, divertida, determinada, corajosa....

Jack Mercury soltou uma risada alta, enquanto, naquele mesmo instante, a garçonete depositava na mesa os pedidos.

- Pelo visto você realmente está ferrado, Hermie. Está mais que na cara que você está caidinho pela moça. Mas como é que isso me foi acontecer? Quem é ela?

O rapaz tomou um gole do seu eggnog. O calor da bebida fez com que ele se sentisse ainda mais confortável para contar para o tio como se apaixonara por Lorelai McGuire, excluindo apenas as passagens que envolviam o Olho do Grifo. Começou pela investida mal-sucedida em Yvaine Lancaster e em como a moça abrira os olhos dele sobre o modo como Herman se escondia atrás do amor impossível por Selune... Depois disso, o coração do rapaz estava aberto para que Lore morasse lá em definitivo. Mas agora, colocando as coisas em retrospectiva, pareceu-lhe que talvez estivesse se apaixonando pela Fada Prensada muito antes disso... A primeira vez que realmente notou alguma coisa de diferente, de especial na menina de olhos caleidoscópicos foi na festa do dia das Bruxas, quando ela lhe entregou o primeiro texto do Olho do Grifo.

- E vocês dois só não se beijaram por que o Hunter não percebeu o que estava acontecendo? - Jack repetiu a última fala do sobrinho, em meio a gargalhadas.

- Isso, fica rindo da tragédia alheia - Herman retrucou, fingindo estar zangado.

Jack inclinou-se na mesa, de modo que ficasse mais próximo do sobrinho. A expressão em seu rosto mudou completamente, o ar brincalhão fora substituído por uma sobriedade incomum.

- Por tudo que você me falou, o beijo é o menos importante. Ele vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. Se o que você sente por essa menina for realmente como me disse, você foi mesmo é abençoado. Tem gente que passa a vida inteira sem saber o que é amar de verdade. Eu posso dizer isso por experiência própria. Então, Hermie, se você acha que ela realmente é a sua MJ, corre atrás e não deixa ela escapar.

- Eu vou fazer isso. - o rapaz assentiu com determinação.

- Já comprou o presente de Natal dela? - o mais velho perguntou, movido pela curiosidade.

- Aham. Um par de presilhas cor de rosa, com detalhes em strass - o mensageiro respondeu, um pouco vermelho, imaginando que talvez o tio achasse aquele um presente besta e simples.

Jack notou o desconforto do sobrinho, e pousou a mão no ombro dele para tranqüiliza-lo.

- Sabe o que eu aprendi durante todos esses anos? Que essa coisa de comprar jóias e presentes caros e cheios de frescuradas é o que faz a cabeça de uma mulher é besteira. Cada mulher tem seu presente ideal, e se esse for a cara dela, vai valer mais que qualquer anel de brilhantes.

O rapaz sorriu, mais calmo.

- Lore gosta de rosa... Mas fiquei um pouco na dúvida sobre o que dar para ela. A Meri quem me sugeriu as presilhas.

O semblante do mensageiro ficou ainda mais iluminado ao lembrar-se do pergaminho que recebera com a resposta da amiga. Era como se Meridiana já estivesse esperando por uma pergunta daquelas, e ele não conseguia imaginar exatamente como ela poderia ter adivinhado, já que não ficara até o fim da festa e tampouco conversaram depois disso. Além da sugestão, a ruiva deixara bem claro que queria "saber os detalhes" assim que encontrasse seu "maninho".

- Ela vai gostar, eu seu que vai...

- Em todo o caso, para dar sorte para o novo casalzinho, eu vou dar a minha contribuição de tio coruja - Jack falou enquanto tirava da carteira um maço com algumas notas relativamente altas de libras - Esse é para o dia dos namorados. Vai ser o primeiro que vão passar juntos, e te conheço o suficiente para saber o quanto isso é importante para você.

Herman apenas sorriu em agradecimento. Não havia mais nada que pudesse dizer ao tio a não ser...

- Obrigado. Por tudo. Pela conversa e pelo dinheiro. Vou tentar usá-lo bem.

- Para isso é que servem os padrinhos! - ele respondeu, enquanto, com um sinal, chamava a garçonete para fechar a conta.

- Estamos indo para casa? - Herman perguntou.

- Que casa o que, moleque. Ainda falta eu comprar seu presente de Natal. Nós vamos é fazer um tour pelos sebos da cidade. Tenho certeza que vamos encontrar alguma coisa perfeita para você. Com sorte acabo encontrando alguma coisa para mim também.

Herman meneou a cabeça, realmente feliz. Feliz pela companhia do tio. Feliz por ter compartilhado com alguém o que sentia por Lore. Feliz por estar sentindo aquilo por ela. Só não estava mais feliz porque a razão do seu afeto estava a léguas e dias de distância dali. Mas, como ele mesmo dissera para sua fadinha, teria que se contentar com as cartas. Quando voltassem para Hogwarts, teriam todo o tempo do mundo para matarem as saudades.

Capítulo 7
Christmas Time



Lorelai, Melinda e Felicity chegaram das ruas geladas de York com os narizes vermelhos por causa do frio, e com as sacolas cheias de ingredientes e materiais que a quintanista precisaria para preparar o presente do mensageiro. Faria cookies com gotas de chocolate e depois os confeitaria com motivos natalinos e alguns do Homem-Aranha, para não perder o costume. Também comprara lã colorida e agulhas novas de tricô para confeccionar ela mesma um cachecol personalizado, com as cores do uniforme do super-herói favorito de Herman. Apesar de ainda insegura e reticente, era uma forma carinhosa de mostrar ao mensageiro que havia pensado nele.

Aproveitou a ida ao mercado e comprou também lembranças para Mina e Sam. Como a grana estava curta, o melhor que pode comprar foi um bichinho de pelúcia para cada uma delas: um cãozinho para a generalíssima e um urso para Samantha, com direito a gorro azul e tudo. Sabia que Mina resmungaria o resto das férias quando visse o presente, e que iria ameaçá-la de servir fada prensada com batatas e molho de champignon no jantar, mas era tão fofinha a pelúcia que nem mesmo a generalíssima iria resistir. E, no íntimo, Lorelai torcia para que a agente Ovo não fosse alérgica a pelúcia.

Enquanto preparava os biscoitos, Brigitte e Fofoso se estranhavam, pra variar. Acostumada com as atenções totalmente voltadas para si, a "gata" estava furiosa por ter que dividir sua privacidade com aquela bolinha peluda folgada e comilona. Felicity tentava apartar mais um ataque simultâneo dos pets quando uma coruja cinzenta começou a bicar a vidraça da cozinha com veemência.

O semblante segundos antes, feliz e despreocupado de Melinda, instantaneamente tornou-se sério e carregado. A moça abriu a janela, e sem deixar a coruja entrar, retirou um pergaminho amarrado à pata esquerda da ave, que foi-se embora em seguida, sem esperar nenhum agrado da moça.

A mais velha enfiou a correspondência num dos bolsos, de qualquer jeito, sem dar importância ao que recebera, sentando-se de volta à mesa, onde antes ajudava Lorelai a confeitar alguns biscoitos.

- Ué, não vai abrir a carta, Mel? É da sua mãe?

A setimanista deu os ombros.

- Não se preocupe, butterfly, temos tempo pra isso depois. Seu presente de natal para o Mercury é o mais importante agora. - E piscou o olho para a mais nova, parecendo novamente descontraída.

Lorelai suspirou. Precisava terminar aquilo antes que sua mãe voltasse, ou resolvesse chamar por elas para ajudar na casa da avó, com a ceia. Estava até estranhando o fato de ainda não terem sido recrutadas para auxiliar no preparo do jantar. Deu os ombros e continuou sua tarefa árdua em tentar acertar na arte de confeitar um Spiderman com gorro de Papai-Noel.

Uma hora e meia mais tarde, os biscoitos estavam prontos, confeitados e embalados numa caixa com papel colorido. Ainda de avental, Lore terminava de escrever uma carta breve para acompanhar o presente. A coruja da família alçou vôo levando o pacote para Manchester, mas somente depois de muitas recomendações da menina sobre como ela deveria proceder para que os biscoitos não virassem farofa até o término da viagem. Eufórica, foi correndo até o quarto procurar pela irmã mais velha, mas para sua surpresa, não a encontrou.

- Ué,Fe, cadê a Mel? Ela foi pra casa da vovó?

A pequena respondeu baixinho, enquanto brincava com Fofoso e Brigitte:

- Não, ela saiu faz um tempinho e não me deixou ir junto... Não disse pra onde ia, e eu já fui na casa da vovó e ela não está lá. Que injustiça sair e me deixar pra trás...

- Que estranho... Achei que ela fosse ficar por aqui...

Tão logo Lore acabou de falar e a porta se abriu repentinamente. Dashwood chegava com o casaco coberto de flocos de neve e uma grande sacola na mão.

- Onde você estava, Inha? - a quintanista perguntou à irmã. - Estávamos preocupadas.

Melinda apenas sorriu.

- Ora, vocês não queriam que eu carregasse vocês enquanto saísse pra comprar os presentes de natal das minhas maninhas amadas, né?

Felicity explodiu em risos e se jogou nos braços da irmã. Olhando a cena de fora, Lorelai não pode deixar de pensar que, de fato, aquelas férias estavam sendo as mais peculiares que já tivera.

Capítulo 8
Every Little Thing



Apesar de ter-se deitado muito tarde, a primogênita de Mary Elizabeth madrugou. Lorelai não conseguia dormir tanto quanto gostaria na manhã de natal, não pelo menos enquanto não abrisse os presentes e esse era um fato que se repetia anualmente. No entanto, naquele ano, o motivo de seu despertar precoce era a moça e a garotinha em algazarra ao seu lado. Olhou para as camas ao redor, já vazias e a custo acreditou que, àquela hora, as irmãs já estavam em alvoroço, prontas para descerem as escadas e abrirem os presentes sob a árvore de natal. As duas a apressavam a levantar-se logo, estavam curiosas para descobrir o que estava reservado para elas sob os papéis coloridos e laçarotes que completavam de maneira tão singular, a decoração natalina da sala de estar da residência dos McGuire.

Sem muita empolgação, Lore se espreguiçou, alongando o dorso. Quem a conhecesse mais a fundo acharia que a menina estivesse doente ao notar esse tipo de comportamento na manhã natalina, quando em geral, ela era a primeira a se levantar. A verdade é que a fada prensada já havia, como de hábito, levantado e caminhado sorrateiramente até a sala, sondando os pacotes de presente. Depois de algumas idas e vindas, cansou de esperar ou procurar algo mais signicativo dentre os envelopes e embrulhos destinados a ela. Nem sinal do mensageiro. Logo, o interesse sob o que poderia haver em abrir os presentes, naquele ano, havia perdido o sentido.

As duas malucas ao seu lado praticamente a arrastaram porta afora e escada abaixo. Matthew e Raphael, os irmãos mais novos, já se encontravam a postos nos pés do pinheiro ornamentado, enquanto Liz, sentada num dos sofás, dava um bocejo preguiçoso.

Melinda olhou para os lados como se procurasse alguma coisa. Na verdade, procurando alguém.

- Ué, Liz, cadê o pai?

A mãe de Lorelai, Felicity, Matthew e Raphael apenas apontou com a cabeça em direção à porta de entrada, sinalizando que o esposo já havia saído, apesar da precocidade das horas.

Dashwood franziu o cenho de modo quase imperceptível. Era-lhe estranho se referir a alguém com aquela palavra, que nunca significara para algo real, nunca fora nada além que um enigma – pai. E quando o destino coloca aquele que recebeu esse título por direito em seu caminho, ironicamente, a palavra parece continuar sem significado mais profundo, como se tal pessoa não existisse. Ou fingisse que ela não existia. A cabecinha de borboleta, percebendo o olhar intrigado de Melinda, tratou de tentar "consolá-la", ainda que de maneira precária e deveras infeliz.

- Não liga, Inha, é assim todo ano, inclusive com a gente. - Lore sussurou quase aos ouvidos de Dashwood, olhando de esguelha para sua mãe, para garantir que ela não ouviria o que estava dizendo. Afinal era manhã de natal e apesar do ocorrido se repetir anualmente, não havia necessidade de trazer à tona todo o desconforto que aquele tipo de atitude paterna poderia desencadear em sua mãe.

Os cinco irmãos, parados em torno da árvore, observavam ansiosos a matriarca do clã, esperando somente uma ordem para destroçar os pacotes. Com um sorriso realmente satisfeito nos lábios, Mary Elizabeth proferiu as palavras mágicas.

- Podem atacar!

O ataque em massa dos pacotes inocentes começou. Papel voando para tudo quanto era lado. Lizzie se divertia assistindo a cena, principalmente ao ver Melinda se divertindo tanto quanto seus próprios filhos. A impressão que tivera em Hogwarts quando a conhecera, da moça de olhar altivo, um tanto frio e de um certo cinismo, acabava de se esvair por completo, finalizando um processo que começara desde os primeiros instantes da moça em sua casa. Ela se mostrara tão criança quanto os seus próprios filhos. Maddison nunca participava da farra da manhã de natal, poucas foram as vezes em que ele estivera presente. Entretanto, a alegria daqueles rostos tão amados entremeio a pedaços destruídos de papel e enfeites natalinos compensavam qualquer amargura que poderia guardar dentro de si.

Lorelai mesmo um pouco desanimada (não havia nenhuma cartinha do pombo sob a árvore), rendeu-se à alegria dos irmãos e procurava, como podia, os seus presentes naquela muvuca. Ouviu a vozinha marota de Raphael, o caçulinha de 5 anos, falando com ela.

- Lolly, esse aqui é seu...

O garotinho estendeu um embrulho cheio de tutus cor-de-rosa. O coraçãozinho da menina quase saltou pela boca. Aquele ela não havia prestado atenção enquanto espionava os presentes durante suas investidas de madrugada! A menina pegou o pacote com cuidado, procurando abri-lo com carinho. Uma peça de porcelana, de uma delicadeza infinita, se revelou diante dos olhos maravilhados de Lorelai. Um porta-jóias cor-de-rosa com discretos e singelos detalhes em dourado ocupava o fundo da caixa decorada que a quintanista tinha nas mãos. Pôs-se apressada a procurar o cartão, para ver quem a teria enviado uma coisa tão linda. No entanto, ao localizar o pergaminho que acompanhava o presente, o seu olhar mudou da ansiedade para a curiosidade. Não conhecia aquela letra no envelope.

A fada prensada leu o conteúdo do pequeno cartão mais de uma vez, tentando assimilar a idéia. O presente era de Adhara Ivory, a sonserina amiga de Mina. Lore piscou os olhos algumas vezes, ainda custando a crer no que lia. Não que não tivesse gostado, ao contrário. Havia adorado o presente e mais ainda, descobrir quem a tinha enviado. O detalhe era que Ivory sempre lhe parecera um tanto fria e distante, embora nunca houvesse duvidado de que seria boa pessoa (se é amiga da Mina, só pode ser boa gente). Receber um agrado dela no natal lhe fora como ganhar na loteria. Feliz com a surpresa, colocou com cuidado seu precioso porta-jóias a salvo da ira insana dos irmãos degolando os pacotes para terminar de abrir os seus.

Aos poucos a garota de olhos de caleidoscópio foi descobrindo cada um de seus presentes. Sam lhe enviara uma revista em quadrinhos do Homem-Aranha, e fez questão de deixar bem claro na carta que acompanhava o exemplar que era “o número que a MJ fala para o Peter que ele tirou a sorte grande”. Com um sorriso discreto nos lábios (e vontade de gargalhar bem algo por dento), Lore tratou de enfiar a correspondência, bem rápido, num dos bolsos do pijama, antes que ela chamasse a atenção de alguém. Mina lhe mandara um pingente maravilhoso em forma de borboleta, que imediatamente foi parar em seu pescoço.

- Lolly, tem outro aqui que é seu. - Matthew estendia uma pequena caixa para a irmã - Acho que tio Dawson mandou presente pra você esse ano de novo.

- Mãe, por que tia Denice e tio Dawson só dão presentes pra Lore? - Felicity perguntou um tanto emburrada.

Liz, mais uma vez, teve que repetir a explicação que dava em todas as épocas festivas.

- Porque vocês são muitos e Lorelai é afilhada dela, Felicity, você também não ganha presentes da tia Christine e só você? Ela não é sua dinda?

A menininha coçou a cabeça.

- Ah, é...

Enquanto a irmã mais nova conjecturava sobre presentes de madrinha, a fada prensada arregalou os olhos ao ver o que continha a caixa de presente do tio: um anel delicado, com uma esmeralda enorme cravejada no suporte feito com pequenos brilhantes. Uma minúscula serpente enroscada numa espada feita de ouro branco se destacava nas laterais da jóia. O cartão em anexo apenas dizia "Antecipadamente, para a nossa futura curandeira".

A moreninha suspirou involuntariamente. Antes ajoelhada no chão recolhendo os presentes que ganhara, no instante seguinte estava no sofá beijando a mãe, agradecendo pelos presentes.

Estava feliz, mas lhe faltava algo para completar a sua manhã. Sentia falta do mensageiro, sentia falta de ler sua caligrafia miúda e corrida a lhe dizer coisas simples, mas o suficiente para iluminar o seu dia. Imersa em pensamentos, voltou para o seu quarto subindo os degraus que levavam até o seu recanto. No curto trajeto, não pode deixar de pensar o quanto as pequenas coisas a deixavam feliz. Guardou com carinho seus presentes, colocou as cartas e bilhetinhos no seu diário, tomando o cuidado de arrumar um lugar de destaque para o cartão de Adhara. Quem sabe aquele não seria o prenúncio de mais uma boa amizade em Hogwarts?

Capítulo 9
From a Window



Deitada em sua cama, coberta de edredons, uma menina parecia ressonar enquanto se mantinha entregue aos braços consoladores de Morfeu. Porém, as aparências enganam e, apesar de "acordada" não ser bem a palavra que mais cabia naquele estado de semi-transe de Lorelai McGuire, uma sonhadora aprendiz de feiticeira não se encontrava metida num sono profundo e reconfortante. Estava perdida em seus devaneios, ensimesmada, esperando o tempo passar. Ao seu lado, o porta-jóias que ganhara de Adhara Ivory ornamentava delicadamente sua mesa de cabeceira. Dentro dele, apenas o nada. O anel de esmeraldas estava enfiado no dedo anular direito da menina e o pingente de borboleta pendia, delicado, em seu pescoço comprido e fino.

Já era quase hora do almoço de natal, ocasião onde, de fato, toda a família Ferris se reunia na casa da senhora Doris, a desastrada avó de Lorelai. Na ceia da véspera, os tios casados (a maioria) se revezavam entre a casa da mãe e a das sogras. De fato, somente sua madrinha se ausentava todos os anos da ceia, juntamente com o esposo, Norwood Dawson, e os primos, Mary Anne, Henry e Vinicius.

Lore tentava recordar-se das cartas de Herman. Já as havia decorado após reler pelo menos mil vezes cada uma. Rememorava os últimos acontecimentos, desde que se descobrira cedendo aos encantos do mensageiro, e um sorriso bobo escapou-lhe de maneira involuntária dos lábios bem delineados. Afinal, a sensação de finalmente acreditar-se correspondida, ainda que a dúvida sobre o que acontecera com os sentimentos tão profundos do rapaz por Selune Priout, pairasse insistente sobre seus pensamentos, era como um bálsamo a aliviar qualquer sombra de sofrimento, dada a guerra que se desenrolava de maneira assustadora no mundo bruxo.

Nada acontecera a sua família, mas a garota temia que, cedo ou tarde, o pior pudesse acontecer. Ainda que frio e distante da família, Maddison era seu pai, e como um bom Inominado, jamais revelara qual sua real função dentro do Ministério da Magia, podendo bem correr algum tipo de risco. Além disso, havia o casal de tios obliviadores, Ethan e Mabelle, que Lorelai adorava, e que de um jeito ou de outro, estariam mais envolvidos com as funções de estratégia do que a menina gostaria que estivessem. Também tinha Charles, o tio caçula, também funcionário do Ministério, que desempenhava uma função de destaque na Seção de Uso Indevido dos Artefatos Trouxas. Sem mencionar ela própria, Mina, e Herman, envolvidos até os últimos fios de cabelo numa publicação clandestina subversiva que encabeçava uma investigação de comensais mirins infiltrados em Hogwarts, o que os colocava numa situação definitivamente complicada. Temia pelo que Sam, sua amiga querida de tantos anos, poderia sofrer por tabela, simplesmente por fazer parte da Máfia. E também pelas irmãs que estudavam na mesma escola, e pela pequena Heather e os demais amigos...

Sam... O riso de Lore sumiu ao lembrar-se da lufana. A moça escrevera-lhe algumas vezes nas férias, mas não tinha o mesmo brilho de sempre. Queria perguntar-lhe se havia algo errado acontecendo, mas achava perigoso por demais qualquer tipo de conversa mais séria via coruja. Teria que esperar voltarem à escola para saber direitinho o que incomodava a mafiosa de olhos cinzentos. Em suas preces, a grifinória pedia para que tivesse a ver somente com o fato de estar na França, longe do seu "Danúbio Azul", como Lore dizia quando queria implicar com a amiga sobre Darien Semog.

- LOLLYYYYYYYYY! - um berro inesperado fez com que a menina quase caísse da cama, com o coração aos saltos - Mamãe tá chamando pra gente almoçar na vovó!

De um minuto para o outro, ela sentiu um pequeno peso sobre si, puxando o edredon.

- Vamos, vamos, estou com fome, vamos!!!

Ela sorriu, pegando o pequeno Raphael e, atirando-lhe sobre a cama, encheu-lhe a barriga gordinha de mordiscadas.

- Seu moleque sem vergonha, assim você me mata do coração, sabia?

- E nessa moleza você me mata de fome! - o garotinho retrucou - Vaaaaaaaaamoooos!!!

Melinda entrou no quarto nesse instante. O menino virou-se para porta e saltou da cama, praticamente voando para os braços da irmã mais velha, que o aconchegara precariamente no colo.

- Se você continuar me agarrando assim, Raphinha, eu vou pedir sua mãe pra levar você comigo, você deixa? - a moça perguntava ao irmãozinho ainda pendurado em seu pescoço.

- Eu deixo, mas só se for só um pouquinho... - o garotinho miou.

- Como eu não quero ser a responsável por matar ninguém de fome, eu declaro que já estou indo. – Lorelai se levantava da cama, finalmente arrumando-se para se libertar do pijama.

********************************


A mesa da sala de jantar da senhora Doris Ferris era pequena para tanta gente. Ela gostava da casa cheia, do burburinho das crianças e do quanto os filhos, noras, genros e netos apreciavam estar reunidos em sua casa em ocasiões como aquela (e também em todas as outras datas festivas e em praticamente todos os finais de semana, excetuando-se aqui as netas mais velhas, que já estavam em Hogwarts, participando dessas reuniões sem motivo específico apenas durante o período de férias escolares). Normalmente Lorelai, Felicity, Matthew e Raphael eram deslocados para outra mesa, junto com os demais primos (14 ao todo), para dar lugar aos adultos, que se revezavam na mesa retangular e maior ("tremenda injustiça", Lorelai resmungava todos os anos). Como contavam com a presença extra de Melinda, já com 17 anos, foi permitida à Fada Prensada a sua permanência na mesa principal para acompanhar a irmã mais velha.

Ela sabia que era implicância, mas naqueles poucos dias, estava ficando irritada com tantos "é para Melinda", "não mexe, é da Mel", ou "você tem que fazer isso ou aquilo porque a Melinda quer e/ou precisa". Sabia que estava sendo ridiculamente ciumenta, mas a irmã mais velha conquistara em sua própria mãe uma cúmplice que ela mesma nunca tivera. Sempre as conversas entre mãe e filha eram monólogos maternos, que terminavam com gritos malcriados da quintanista e um belo castigo. Sempre tivera que fazer por merecer o que tinha, e ainda assim, muitas das coisas que ela se esforçava em conquistar eram recebidas apenas com um "não foi mais que a sua obrigação". Ver alguém entrar em sua vida e em tão pouco tempo, ter tudo o que ela gostaria em sua própria casa sem o menor esforço, por mais compreensível que fosse, dadas as circunstâncias, era-lhe irritante ao extremo. Pelo menos, dessa vez, o pedestal de Dashwood servira-lhe também para alguma coisa que não fosse levar bronca – estava finalmente na mesa com os mais velhos.

Um casal jovem e bonito atravessou a entrada sob forma de arco, na sala de jantar da senhora Ferris, seguido de três crianças. Para variar, Denice e Norwood Dawson, tia caçula e madrinha de Lorelai, e seu esposo, chegaram atrasados. A "dinda" cercou a afilhada de agrados, pontuados com algumas críticas do tipo "mas não coma muito porque você vai engordar mais ainda". O tio sorriu abertamente para a garota, como sempre fazia.

- Boa tarde, princesinha! - ele cumprimentava a sobrinha da esposa - Gostou do presente que escolhemos para você?

Lore, de boca cheia, esticou a mão mostrando ao casal que usava o anel de esmeraldas, como que indicando uma resposta afirmativa para a pergunta do moço.

- Denice, Dawson, esta é Melinda Dashwood, minha enteada. - Liz apresentou a filha de Maddison para o casal recém-chegado.

Norwood tomou a mão da jovem, beijando-a cavalheiramente.

- Um prazer conhecê-la pessoalmente, srta. Dashwood.

A moça deu um sorriso amarelo, que Lorelai interpretou como mero constrangimento.

A quintanista de cabelos novamente ondulados (uma pena que a poção cosmética de Meridiana tivesse um efeito tão efêmero) fixava o olhar caleidoscópico nas janelas da sala da avó, esperando que, a qualquer momento, uma coruja trouxesse nas patas um pouquinho mais de alento para aquelas férias tão longas. Como nada do que esperava aconteceu até a hora do lanche da tarde (o que Lore achava um exagero, mal haviam acabado de almoçar!), a menina pediu licença aos tios e à mãe - o pai, como sempre, não estava entre eles - e voltou para casa.

Uma vez em seu quarto, largou-se sobre a cama ainda com os lençóis desarrumados, fitando melancolicamente a vidraça, observando os parcos e tímidos raios de sol contra os flocos de neve que caíam do lado de fora. Estava quase adormecendo quando ouviu um toc-toc vindo da face externa da janela. Uma grande coruja parda pedia para entrar.

Capítulo 10
From me to You



Querida Lore,

Tudo bem?
Como foi a ceia de Natal?

As coisas correram perfeitamente bem aqui em casa... Nos divertimos bastante a ponto de sairmos do restaurante das minhas avós quase pela manhã, embora a Heather tenha capotado no meio da noite e acabou dormindo no sofá do escritório das minhas avós.

E eis que mais uma vez , como sempre, estou eu me enrolando, ao invés de ir direto ao ponto. Esta carta não é apenas para desejar a você e à sua família um Feliz Natal.

Bem na verdade é exatamente para isso, mas acho que você já notou que ela veio acompanhada de uma caixinha. É o seu presente de Natal. Não vou dizer o que é para não estragar a surpresa.

Queria que fosse algo especial. Alguma coisa que você realmente pudesse gostar. Quebrei um pouco a cabeça - confesso que até pedi uma consultoria para a Meri, você sabe, a velha história do toque feminino - mas ainda assim, não sei direito se consegui alcançar meu intento.

Er... E talvez tenha exagerado no embrulho. Laços demais para uma caixa tão pequena...

Pecos desculpas se enfiei os pés pelas mãos. Estou aprendendo.

Em todo o caso, o presente é um modo de dizer que pensei em você, e, também de desejar um Feliz Natal .

Beijos,
Herman


********************************


Chegara! Finalmente, Lorelai podia ter entre os dedos mais uma carta do Mensageiro! Ela estava sentada em sua cama, com as pernas cruzadas, lendo pela milionésima vez aquela caligrafia que já lhe era familiar. O par de delicadas presilhas cor-de-rosa foi, de longe, o melhor presente de natal que ela poderia ganhar naquele ano. Mal abriu a caixa e o presente de Herman já estava em seus cabelos castanho-escuros. O sorriso estampado no rosto era abestalhadamente idiota, mas era tão bom sorrir daquele jeito! E por aquele motivo!

Por um instante infeliz, enquanto relia a correspondência, Lorelai não pode deixar de notar que aquela carta talvez estivesse menos carinhosa que as outras. Teria acontecido alguma coisa? Tremia só de lembrar da francesinha que fora dona do coração do rapaz por tanto tempo. Mas Melinda tinha razão, era besteira se preocupar com isso, tinha ganhado um presente lindo, uma carta linda e o melhor - ele havia pensado nela! Ele dizia isso, não tinha a menor dúvida do que lera. E pedira consultoria para Meri!

O sorriso da Fada Prensada estendeu-se ao lembrar-se da conversa um tanto melancólica que tivera com a ruivinha, e ainda mais por imaginar que, talvez, ele tenha partilhado os últimos acontecimentos com ela! Despertou dos seus devaneios com a vozinha fina de Felicity.

- Lore, disfarça a cara de boba, se você não quer que a mamãe desconfie que você está namorando.

A mais velha estreitou os olhos, encarando a irmãzinha.

- E quem disse a senhorita que eu estou namorando, dona Felicity-Sabe-Tudo-McGuire?

- Ué, a Heather, quem mais?

A fadinha sacudiu a cabeça, aturdida.

- Como assim a Heather? Ela escreveu de novo pra você? Deixa eu ver?

A branquelinha meneou a cabeça negando o pedido de Lore.

- De jeito nenhum, correspondência é uma coisa muito pessoal. Eu não fico pedindo pra ler o que a tia Mimi e a Sam escrevem pra você. Nem o que o irmão da Chispinha escreve pra você. Logo, não te dou esse direito.

- Isso é golpe baixo, Felicity. – a quintanista resmungou – Isso não se faz. Deixa eu ler? - e esticou os olhos pidões para a caixa de "pertences especiais" da caçula.

- E nem se atreva a futucar ali! - a baixinha protestou notando o interesse repentino da irmã no seu pequeno tesouro - Eu proíbo! Veto! Se eu desconfiar que você encostou um único dedo naquela caixa, eu conto pra mamãe que você está namorando! - e arrematou com um risinho sarcástico, muito parecido com o de Melinda quando esta queria fazer algum tipo de "terrorismo" - E não te conto o que sei do Herman!

- Mas eu não tô! - Lore estava ficando aborrecida com a garotinha - E como assim o que você sabe do Herman? Você só sabe do Herman o que a Chispinha conta, que eu sei. - terminou esticando meio palmo de língua para a irmã numa careta.

- Sei, por exemplo, que ele devorou uma caixa de biscoitos de natal em poucas horas e só deu DOIS pra Heather. Sei que ele saiu com o tio pra conversar e lálálálálá, não vou falar mais nada porque você não está merecendo. - retribuiu a careta da irmã, mostrando toda a língua que tinha para ela.

A mais nova já estava de saída, quando Lore segurou a menininha pela gola do casaco.

- Volta aqui, Felicity, começou, agora termina. O que mais você sabe? Conta, conta, por favor, prometo ser uma irmã legal, amorosa e nunca mais fazer nenhum tipo de atentado contra a sua frágil pessoa! Agora desembucha, menina!

- Tá, só mais essa. Ela contou que ele disse pro tio que gosta de você. Agora chega. Fui.

Sem reação, a fadinha nem prestou atenção na irmã mais nova atravessando a porta do quarto como um cometa. Sentou na cama, perplexa, com as palavras que ouvira da menina. Estaria blefando, com certeza. Mas queria naquele momento acreditar que ela dissera a verdade, e era isso o que faria. Jogou-se para trás na própria cama, deixando-se cair de qualquer jeito. Queria dormir, dormir muito e só acordar dia 05 de janeiro, quando estaria finalmente, voltando para Hogwarts. Certamente ela teria muito o que conversar com o Mensageiro quando eles se encontrassem novamente.

Capítulo 11
What's the New Mary Jane



Querido Herman,

Como estão os preparativos para a noite de natal? É, eu sei que faz pouco tempo que te escrevi, mas precisei escrever de novo. Espero que não se importe... (acho que sou eu quem vai entupir sua caixa de correio...)

Bom, estou aqui em casa, sentada na cozinha, ainda de avental e com a cara suja de chocolate, escrevendo rapidinho pra ver se seu presente chega até suas mãos a tempo de fazer o que é o propósito: desejar a você um feliz natal. Na verdade ainda não é bem o seu presente, é mais uma prévia dele. Eu queria fazer algo especial, mas não que acabasse em duas bocadas, como esse aqui. Logo, tudo o que posso te adiantar é que, o presente mesmo, vou entregar pessoalmente, quando voltarmos para Hoggy. Espero que não se importe. Não vou dizer o que é para não estragar a surpresa.

Não repare a confeitaria amadora, eu ainda estou aprendendo a fazer isso. E o conteúdo da caixa que segue com este cartão, eu mesma fiz. Não ficou nenhum primor de beleza, mas pelo menos o gosto está muito bom.

Feliz natal para você, para a Chispinha e pra todo mundo aí na sua casa. Dá um abraço na Heather por mim e pela Fê.

Muitos beijos!
(e muitas saudades)

Lore

P.S.: Se por acaso chegar uma farofa ao invés de biscoitos, saiba que não foi falta de recomendações à coruja lesa daqui de casa. Sorry.


*************************


Herman releu a carta mais uma vez com um sorriso bobo nos lábios. E como em todas as outras vezes, seus olhos se fixavam por longos minutos naquelas palavras: "muitas saudades". Ela estava com saudades! E não eram saudades quaisquer, eram muitas. Ele se sentia completamente idiota por se sentir tão feliz por uma coisa tão pequena. Mas todos não dizem que apaixonados são idiotas? Então ele era um idiota apaixonado.

Ele sentou-se na cama, deixando a carta ao seu lado, se inclinou para pegar mais um dos biscoitos que Lorelai fizera. Em cima do que acabara de escolher a máscara do Homem-Aranha estava confeitada em tons de azul e vermelho. Era açúcar cristalizado, tingido com anilina. O mensageiro fitou o biscoito, quase com pena de morde-lo, imaginando o quanto deve ter sido trabalhoso para ela ter feito tudo aquilo. Mas estavam tão bons que não se conteve, enfiando o cookie boca adentro quase em uma única mordida.

Enquanto mastigava o biscoito, uma pontada de preocupação surgiu no fundo da mente. Definitivamente ele era um idiota, dera apenas aquela presilha de cabelo. Burro! Burro! Burro! Burro! Burro! Burro! Burro! Ela dava um presente super-trabalhoso e ainda prometia mais outro presente, e ele só tinha mandado aquilo. Aí sim ele seria um idiota... Mas outro tipo de idiota.

Será que ele comprava outro presente? Ou talvez ele devesse caprichar no aniversário dela... Ou no Valentine's Day... Caracas, era tão complicado não saber direito o que fazer... Será que ele escrevia para Meri pedindo mais conselhos? Ou alugava - de novo - o tio?

Os pensamentos do rapaz foram interrompidos ao sentir um peso extra no pescoço e mãozinhas pequenas pegarem um biscoito de dentro do embrulho. Estava tão preocupado com a mancada que acreditava ter feito que nem percebera a entrada da irmã no quarto.

- A Lore cozinha bem. - Heather disse com um jeito de quem sabe mais do que diz - Acho que vou pedir ela para fazer meu bolo de aniversário.

- Abusadinha como sempre, não é mesmo, Chispinha? - o mais velho dos Mercury disse, fitando a irmã caçula por cima dos ombros.

- Ah, Herman... Se você for mau comigo eu não te conto o que a Fê me contou - ela retrucou, dando um sorriso maroto - Você quer saber, não quer?

O rapaz continuou olhando a irmã, desde o começo das férias suspeitava de uma via paralela de comunicação entre Heather e a caçula das McGuire. E se tinha uma espiã na casa da fadinha, era melhor aproveitar. Qualquer noticia sobre Lorelai era uma notícia que o interessava.

- O que a Felicity te contou, Chispinha?

- Que a Lore não tira um certo par de presilhas do cabelo desde que recebeu de presente.

O amplo sorriso brotou no rosto de Herman. Ele havia se preocupado à toa. Ela gostara do presente! Ela realmente gostara do presente.

- Só por isso vai ganhar mais um biscoito - ele estendeu o pacote para a irmã caçula, enquanto sentia a sensação de felicidade se preencher no peito.

Definitivamente ele era um total e completamente idiota apaixonado. Sem quaisquer esperanças de recuperação, e, não poderia estar mais feliz com isso. Não desejava ser de outro modo, e, principalmente, com nenhuma outra pessoa a não ser Lorelai.

Capítulo 12
Cry For a Shadow



Fazia um bom punhado de dias que a jovem de enigmáticos olhos azuis procurava por um momento como aquele. As duas irmãs haviam se ausentado. Lorelai fora ao centro curandeiro com a mãe para verificar a causa das dores de cabeça que a quintanista vinha se queixando há algum tempo. Felicity foi obrigada a ir também, para aproveitar a deixa e fazer uma revisão oftalmológica.

Melinda Dashwood, curtindo a tarde solitária que tanto almejara desde que conhecera a família paterna, examinava novamente as fotografias espalhadas pelo quarto das irmãs. Seu olhar se demorou mais uma vez na foto onde Satanio Goddriac aparecia exibindo um sorriso extremamente sarcástico nos lábios. Ela tocou a foto de leve, enquanto pensava no que estava fazendo de sua vida. Um turbilhão de emoções contraditórias atormentava a suposta paz da moça. Não sabia o que sentia pelo loiro sonserino. Talvez ela ainda gostasse dele ou talvez fosse seu orgulho fazendo com que ela se sentisse mal por descobrir que Sat havia superado o rompimento deles. E, por ironia do destino, tal fato se deu graças à sua melhor amiga, Yvaine Lancaster. Sentia sim, uma pontada enorme no cotovelo, mas não daria o braço a torcer. Aquilo já era passado, e não havia mais motivo para ser alvo da preocupação dela.

Talvez essas idéias loucas fossem reflexo da solidão que sentia. O que ela chamaria até poucos dias antes, de namorado, estava há léguas de distância, não só física, como também do que ela acreditava que ele fosse. Encontrara-se com ele na véspera de natal, mas definitivamente, não sabia dizer o que sentia pelo rapaz.

Os olhos da setimanista repousaram na imagem feliz das duas irmãs. Como ela odiara Lorelai assim que soube quem era a menina, mesmo que esta desconhecesse a sua existência! Por causa dela, da irmãzinha e da mãe das garotas, ela teve que ficar escondida, calada, suportando o peso de descobrir a família e não poder fazer nada para se aproximar. Recordava-se, como se fosse fato muito recente, do dia que sua mãe fizera a proposta de encontrarem o pai. Mais clara ainda era a lembrança de quando o conheceu, da decepção que sentiu ao vê-lo, tão friamente, proibi-la de se aproximar da irmã na escola, já que a menina era meio revoltadinha e poderia dar problemas para ele em casa. Que a outra filha, a mais nova, era problemática e complexada, e até mais revoltada que a mais velha. Que a esposa era osso duro de roer e certamente desgraçaria a vida dele se despejasse uma notícia daquelas de maneira irresponsável, sem preparar o terreno. Lembrava com rancor, das palavras dele, dizendo-lhe claramente que ela deveria ficar na sombra, sem se expor, enquanto ele resolvia as coisas em casa a seu próprio modo, para finalmente apresentá-la. É fato que os interesses maternos não eram relacionados à aproximação afetiva, disso ela bem sabia, e concordou com tudo desde o início, e por isso estava ali.

Cansada de esperar uma decisão paterna, pressionada pela mãe para que a execução dos seus planos ambiciosos fosse agilizada, "pelo bem dela", como Jessica Dashwood fazia questão de frisar, acabou imprensando o pai, por tabela, o que culminou com o pior desfecho que ele poderia esperar - a descoberta inusitada da sua existência por Liz. Bem-feito, antes ele tivesse tido coragem de assumir o que havia prometido desde o começo. Tanto mais fácil seria para ela infiltrar-se na família, ajudando a mãe a obter o que desejava: estabilidade financeira, um nome paterno para a filha e, quem sabe, o namorado de volta? Foi só nessa ocasião que ela finalmente contou à Yvy que havia conhecido o pai e descoberto as irmãs. Tivera que calar-se durante tanto tempo até mesmo para a melhor amiga!

Mas nunca imaginou que seria tão bem recebida. Nem que aquelas duas garotinhas odiáveis fossem se tornar tão queridas. Em especial a mais nova. Mel ainda demorava o olhar na fotografia das irmãs. Tinha que admitir que sentia uma tremenda inveja de Lorelai. Ela tinha tudo o que ela, Melinda Dashwood, gostaria de ter – uma família legal, irmãos, uma mãe que se preocupava com ela, um rapaz que parecia verdadeiramente apaixonado por ela, amigas loucas - embora não pudesse reclamar de Lancaster - e o pai por perto, embora nesse quesito, elas estavam meio empatadas. Mas ela gostava da irmã. E era completamente apaixonada por Felicity, com quem se identificara desde o começo – tal como ela, a irmãzinha se sentia sozinha na maioria das vezes.

Isso tudo sem falar de Mary Elizabeth, aquela bruxa má que por anos a fio atormentou seu sono. E de repente, ela descobre que a "bruaca" esposa do pai é a pessoa que mais a apóia e que mais demonstrou afeto por ela até então. Sua consciência pesava ao lembrar-se do que prometera à mãe e ao namorado, que os ajudaria a alcançar o que desejavam. E que por isso, naquele momento, ela estava ali.

Melinda sentia o mundo pesar em seus ombros, uma amargura imensa tomava conta do peito e subia até a garganta, trazendo um gosto de fel à boca. Sua "missão" de tentar tirar do pai o que podia para melhorar a situação dela e da mãe se confundiu inusitadamente com o afeto que começou a devotar àquelas pessoas durante a relativamente curta estadia dela naquela residência.

Felizmente, durante o almoço de natal, Denice Dawson não a reconheceu. Conhecera a tia de Lorelai há alguns poucos anos, quando decidiu ceder às investidas de sua mãe e tentar a carreira de modelo.

A jovem sentia vontade de chorar, mas as lágrimas simplesmente se recusavam a se desprender dos olhos. Havia se tornado aquilo que via diante do espelho no quarto das irmãs - uma mulher linda, determinada, mas vazia. Tão vazia que nem era capaz de chorar.

Capítulo 13
The Night Before



Na véspera de ano novo, Lorelai, Felicity, Melinda e Matthew encontravam-se na sala de estar da residência da família, em York, ouvindo CDs de rock trouxa. Os quatro irmãos se divertiam, cada um a seu modo - Lorelai apresentava as canções favoritas à irmã mais velha enquanto cantava. Matthew acompanhava o som com um violão no colo. O garoto já dedilhava - e bem - o instrumento. Felicity tentava acompanhar a irmã na cantoria, mas desafinava demais (o que foi decisivo para que a menina prometesse a si mesma, ir aos ensaios do coro do professor Flitwick com Lorelai, ela também iria aprender a cantar). E Melinda, divertia-se conhecendo um pouco mais do mundo não mágico, embora, paradoxalmente, aquela era uma família bruxa. Era verdade que Maddison, o pai da trupe (quase uma banda) na sala, havia nascido trouxa, mas o homem era tão sisudo e tão fechado que pouco se sabia sobre sua vida antes de descobrir-se bruxo. Tudo o que Lorelai sabia era que o pai perdera a mãe ainda criança e havia perdido contato com a família pouco tempo depois de ingressar em Hogwarts.

Eis que finalmente, Maddison McGuire deu o ar de sua graça para ficar perto dos filhos. Cumprimentou os meninos, sentando-se no sofá. Com um discreto aceno de varinha, ligou um artefato que lembrava, em muito, uma televisão trouxa. Os filhos, alheios ao que acontecia ao redor, continuavam a cantoria. Liz estava na cozinha com Raphael, que naquele dia estava um pouco febril - o garotinho havia pegado uma gripe após aprontar todas na neve enquanto as irmãs descuidaram dele, dois dias antes. Logo, o humor de Liz não era dos mais agradáveis ao tratar as duas filhas.

- Eu não já pedi a vocês para procurarem outro lugar para a cantoria? Eu quero ver o noticiário. - Maddison falava baixo, porém com a voz firme e autoritária.

- Ah pai, a gente não pode tirar o som da sala! O senhor não pode assistir na cozinha? - Lore sugeriu, ainda rindo e cantando.

O olhar do pai foi severo.

- Eu já mandei vocês procurarem outro lugar para acamparem, será que eu estou falando grego ou algo assim?

A quintanista tentava compreender o que estava acontecendo. Seu pai nunca fora de dar ordens a eles, nem de se incomodar com o som ou se importar com o que lá eles estivessem fazendo. Não entendia que raios estava havendo com ele para empacar com uma coisa tão idiota. Deu os ombros, despreocupada.

- Ah pai, é dia de festa, daqui a pouco a gente vai pra casa da vovó e você assiste o que quiser... - Lorelai falou quase implorando, levando a situação na esportiva.

Num rompante inesperado, o pai levantou a voz.

- Você não me responda e me obedeça quando eu der uma ordem, está me entendendo, Lorelai?

O sangue da grifinória ferveu. Aceitava sem maiores problemas a ausência que ele impunha goela abaixo, na vida dela. Aceitava que esse era o seu jeito de ser, que talvez tivesse sofrido muito ainda bem novo, para ter aquele tipo de comportamento. No entanto, estava claro como uma manhã de sol, para Lore, que Maddison queria mostrar uma autoridade perante os filhos que ele não tinha. Para impressionar Melinda, talvez. E isso, ela não aceitaria, não tinha sangue de barata tanto. Que moral ele tinha para vir do nada impondo alguma coisa para eles?

- Pai, você está querendo aparecer pra Mel, é isso? - a Fada Prensada fitava o pai, desafiadoramente.

Foi o suficiente para que o senhor McGuire se levantasse, sacando a varinha do bolso, apontando para a filha.

- Não ouse me responder assim. É isso o que sua mãe ensina a vocês? Vou ter que te castigar para ensinar modos nessa altura da vida?

Ao contrário de intimidá-la, a reação que a atitude paterna causou na quintanista foi a de incitar ainda mais a ira da menina. Lorelai levantou-se do chão, sem varinha, sem coisa alguma, e encarou o pai nos olhos.

- Se é para me ensinar alguma coisa, devia ter feito antes, não? - ela o desafiava - Se quer me castigar, vá em frente, eu não tenho medo de você, entendeu bem?

Melinda assistia a cena num canto, assustada com o surto da irmã. Felicity abria e fechava a boca, sem saber o que dizer. Matthew correu até a cozinha para trazer a mãe, o que não foi necessário. Ao ouvir a discussão na sala, Liz se dirigiu espontaneamente até o foco do impasse, interpondo-se entre pai e filha.

- Mãe, o pai... - Lorelai começou a justificar. Sabia que pelo menos nesse ponto, a mãe sempre estava do lado deles. Ela nunca permitiu ao marido que ele favorecesse ou castigasse qualquer um dos filhos, uma vez que ele sempre fizera questão de se ausentar e deixar tudo por conta dela.

- Lorelai, pelo amor de Merlin, cale a boca! - Liz estava histérica - Você quer o que? Acabar com a festa de todo mundo? Não pode conter seus rompantes nem na véspera de ano novo? - ouviram Raphael abrindo a choradeira, talvez por conta da tensão - E então, está satisfeita com o que conseguiu?

Incrédula e sem forças para prosseguir com a discussão, a moreninha encarava a mãe sem entender patavinas. Sentiu os lábios tremerem, mas não iria chorar ali, na frente deles. Correu porta afora, sem se agasalhar, deixando pra trás aquela situação que poderia nunca ter acontecido. Nevava, mas ela não sentia frio. Como não tinha muito para onde ir naquela hora, acabou parando na casa da avó. Entrou no antigo quarto de solteira da tia, jogando-se na cama e perdendo-se em lágrimas. Não entendia o que estava acontecendo, menos ainda o que havia acontecido instantes atrás.

Ao acalmar-se um pouco, procurou um calendário na penteadeira da tia. Faltava menos de uma semana para o fim das férias. Passou a mão num pergaminho, rabiscando-o, ainda trêmula. Não conseguiu escrever muita coisa. Finalizou como estava. Procurou a coruja da avó, enviando-a imediatamente.

No dia seguinte, em Manchester, um rapaz recebia uma carta um pouco diferente das demais que recebera da garota de olhos de caleidoscópio. Virou o pergaminho várias vezes tentando localizar mais alguma coisa, mas em vão. Tudo o que estava escrito ali era "Feliz ano novo, P.P."